Se tem uma cena que vai fazer parte de minhas memórias é o vestiário feminino do clube onde meus filhos praticam natação. O que faz desse momento algo especial é que 40 anos minha mãe é quem fazia esse percurso, aquele de pegar o filho na beira da piscina, vesti-lo com um roupão, e levá-lo até o vestiário. De lá para cá o que mudou foi a tecnologia pois até os azulejos permanecem os mesmos. Toucas com desenho de tubarão, sabonete líquido, condicionador e secador com 3 velocidades compõem um cenário que não existia no meu tempo.
Aula concluída, cada mãe pega o que é seu. O corre-corre já começa quando mãos nervosas ficam alguns segundos debaixo da água do chuveiro, “está quente! espera um pouco!”, embora não raro se escute “mas que coisa! Não aquece!!" Um menino grita “ai, meu olho, mãe!! “enquanto o outro mostra, orgulhoso, que já sabe passar shampoo sozinho. Meninos e meninas saem do box, uns antes dos outros, um cuidado que tomam as mães para não dar atropelo. O meu deixo para o final, até porque assim que estiver pronto já chega o mais velho, filho que pratica natação no horário seguinte, tempo destinado às crianças mais velhas. Quando ele chega, ainda estou no secador com o filho mais novo e é quando percebo uma que outra mãe me lançar um olhar de piedade — dois filhos! – enquanto há quem me transmita alguma coisa que pode ser inveja – dois filhos!!!! -, mas na hora do banho todas as mães estão voltadas para seus rebentos, umas mais rápidas, outras nem tanto, mas parada sem fazer nada não se vê nenhuma. "Alguém viu um maio preto por aí?” "Sim está no box aqui com o Felipe, já te alcanço". As mães são sempre as mesmas e às vezes aparece uma avó. Pai, obviamente, nunca entra. Essa combinação é mais rara e ou ele se enfia no vestiário dos homens junto com seu filho ou fica sozinho no agora intitulado vestiário da família. Se esquecer o secador, danou-se: não tem ninguém para pedi emprestado. No vestiário feminino, porém, uma mãe sempre empresta alguma coisa para a outra. “Não precisa, obrigada”, se desculpa a esquecida. Mas a outra lembra que é melhor secar porque já tem vento lá fora.
As mães das 18:00 começam a ir embora quando as mães das 18:30 começam a chegar, abrir a mochila e preparar o arsenal de banho de filhos que virão correndo enrolados em roupões – são crianças maiores – e ainda assim tremendo de frio. A cena se repete, a avó perdida já não está mais tão deslocada na segunda vez. Uma mãe sai com o secador vestiário afora: o pai da coleguinha do filho esqueceu o dela mais uma vez. É pai, a gente entende, homem não tem cabelo cumprido para se lembrar do acessório. Tem pai que faz com que as mães solteiras e descasadas suspirem, pensando bem até as casadas se deleitam quando vêm um homem cuidando do filho. " Coisa boa se meu marido levasse a Amanda para a natação de vez em quando."
Mas não leva, tem a esposa para fazer isso. O vestiário das mães tem essa coisa meio mágica, todas vivenciando o mesmo sonho, o cansativo momento de dar banho e vestir os filhos, mal necessários para que as crianças aprendam a nadar, uma forma de não se afogar quando estiverem na companhia dos primos mais velhos – sempre tem que ter um primo mais velho- para tirar o sossego de uma mãe.
Os meus, porém, já sabem se defender, pelo menos se mantém na superfície e conseguem gritar por socorro de forem jogados na piscina, uma das conversas de mães no vestiário da piscina. Os medos e aspirações dos pais é uma curiosidade que dificilmente mataremos. Pais e seus projetinhos de homens conversam sobre o quê quando estão enxugando seus filhos? Tem mãe que sabe de alguma coisa, o marido, quando leva, comenta em casa, para a inveja de quem não conta com o companheiro para dividir a responsabilidade. Dizem que é um desastre, falam de futebol, acham que cabelos curtos não precisam de secador e frequentemente se esquecem dos meninos que brincam de disputar a posse do sabonete enquanto outros se aventuram a sair do banho e se enxugarem sozinhos.
Hora de ir embora, não posso escutar mais. Depois de dar banho em dois me despeço entre sorrisos. Em marcha lenta, conto os minutos para chegar em casa, fazer a janta, alimentá-los, escovar os dentes, ficar acordadas até que resolvam dormir. Mas na frente do vestiário masculino retardo o passo. Não, não me interessa homem pelado, mas queria constatar se é verdade de que não se escuta um único ruído de secador. Será que é verdade que eles não ligam para essas coisas?