Um dos inúmeros casos de atrocidades cometidas com os nativos coincidiu com o desprezo à emancipação do PR
A feroz disputa entre chefes empresariais-militares da colonização dos Campos de Palmas teve entre seus episódios mais terríveis um massacre de índios ocorrido em agosto de 1843. O caso ainda hoje continua mergulhado no conflito entre versões. Em algumas, o cacique Vitorino Condá é um herói. Em outras, é acusado como bandido.
O episódio do massacre tem origem no conflito não declarado entre o então comandante da Companhia dos Permanentes (origem da Polícia Militar do Paraná) sediada em Palmas, Pedro de Siqueira Côrtes, e o ex-comandante, capitão Hermógenes Carneiro Lobo Ferreira.
O ex-comandante foi designado pelo governo paulista para empreender buscas ao desaparecido capitão José de Sá, que estaria vivendo em uma aldeia indígena em companhia de outros brancos. Ferreira encarregou para a missão o cacique Vitorino Condá, que ao retornar traz sete crianças brancas e vários índios convencidos por ele a se instalar no aldeamento de Palmas. Supõe-se que o capitão Sá preferiu viver na companhia dos índios e cortar laços com sua vida anterior, não os acompanhando na marcha até Palmas.
Com a chegada desses novos índios para o aldeamento, o comandante Côrtes viu crescer na região a força do cacique Condá, obediente ao ex-comandante Ferreira, e pediu ao comando geral do interior, sediado em Guarapuava, mais soldados para reforçar a frente de ocupação.
Foi para equilibrar os antagonismos na frente de colonização que o presidente da Província de São Paulo, o baiano José Carlos Pereira de Almeida Torres (1799–1850), Visconde de Macaé, antes de transferir o governo para Joaquim José Luís de Sousa havia nomeado Antônio de Sá Camargo para o posto de sargento-mor e comandante do esquadrão da cavalaria de Guardas Nacionais de Guarapuava, então parte da Vila de Castro. Começava aí a carreira de conquistas e poder do futuro Visconde de Guarapuava.
Quando os soldados de Guarapuava requisitados chegaram a Palmas, um grupo de índios pediu licença ao comandante Côrtes para sair à caça. O grupo se dividiu em dois e seguiu diferentes caminhos na mata. Estranhando a divisão, suspeitando que um dos grupos tivesse a intenção de praticar algum assalto a pretexto de caçar, Côrtes enviou uma escolta para seguir a trilha do grupo maior.
Cacique Condá: herói ou criminoso?
A comitiva enviada para monitorar os índios tinha ordens para prender ou matar os que se recusassem a voltar. O resultado da expedição punitiva foi mais de vinte índios, homens, mulheres e crianças, assassinados sem que opusessem resistência. Segundo relatório do governo provincial, o comandante. “sem motivos legítimos e imprudentemente provocou os índios, levou-os ao excesso de desesperação, frustrando as vantagens que se poderia colher de seu aldeamento”.
O episódio resultou no afastamento de Côrtes, com o retorno de Hermógenes Lobo Ferreira, que ao historiar o massacre, enviando informações com a versão dos índios às autoridades paulistas, alegou que a chacina foi cometida por ordem do ex-comandante. Na guerra de versões, Côrtes seria o herói que impediu um crime de ser cometido pelos índios de Condá. Já para Ferreira, Condá era o herói indígena da frente de colonização de Palmas.
João da Silva Machado, o homem forte do governo provincial no Paraná, defendia um tratamento humano aos índios: “Seu caráter dócil e pacifico os têm feito amados de todos os moradores vizinhos, que com os poucos presentes que suas circunstâncias lhes permitem dar têm cativado a afeição de tão boa gente, de sorte que hoje não é raro verem-se os indígenas desta tribo virem à Vila trocar por ferramentas e vestuário alguma cera e mel, que com bastante custo ajuntam no sertão” (relatório de 2 de setembro de 1843 sobre o alojamento de indígenas na região de Itapeva).
Os sertanistas advertiam, no entanto, que os índios normalmente dóceis no convívio com os brancos, ao ser atacados também sabiam ser ferozes e agressivos, para se vingar dos massacres perpetrados pela força policial-militar paulista.
As consequências da chacina
Não chegou a ser uma surpresa que em retaliação ao massacre de agosto de 1843 os índios atacassem o povoado de Palmas, matando três pessoas. Com o boato de que os índios estavam preparando uma invasão com um grande número de guerreiros, houve polvorosa no povoamento e muitas fazendas foram abandonadas.
Nessas circunstâncias, o governo provincial criou em Palmas uma Subdelegacia de Polícia, demitiu o comandante Côrtes, nomeou novamente Hermógenes Carneiro Lobo Ferreira para o cargo e Vitorino Condá como comandante dos índios.
Por essa época, a respeito dos ataques sofridos pelos índios, um catequizador católico testemunhava a difícil situação dos índios, que definiu como “o deplorável estado desses meus patrícios, primeiros senhores deste […] ameno torrão da América, perseguidos a ponto de se acantonar por esses apertados desertos, só tendo abrigo dessas escarpadas serras, sempre hostilizados, e hostilizando” (Mensagem do padre Antônio de Almeida Leite Penteado ao Conde de Caxias, 17 de junho de 1845).
Aliás, acrescentava, “nossos maiores os iludiram, quando aproveitando-se de sua boa fé e ignorância começaram a assassiná-los, roubar seus filhos e escravizá-los, fatos estes, e outros que de alguma maneira não deixa de justificar seus bárbaros feitos, por quanto se vem as atrocidades que para com eles praticam os civilizados quando assaltam seus toldos”.
O mandato de Joaquim José Luiz de Souza foi curtíssimo, de dez meses, encerrado em novembro de 1843, quando assume o capitão Manoel Felizardo de Sousa e Mello (1805–1866). Fluminense, Souza e Mello uniu a carreira militar com o jornalismo e o magistério, além de ter sido ministro e assumido, além de São Paulo, o governo de quatro províncias do Nordeste. Esteve no comando paulista por apenas seis meses, mas não deixou de pressionar o governo imperial, agora liberal, pela criação da Província do Paraná.
Para liberais, apoio conservador era traiçoeiro
No geral, foi um tempo de grande importância para a história do País e do planeta, pois o Império reforçava posições para equilibrar a Revolução Farroupilha e vencia o prazo de um tratado comercial de 1825 que dava privilégios à Inglaterra, como sempre. Lá, em Rochdale, um grupo de tecelões se organizava para criar a primeira cooperativa do mundo. Surgia o telégrafo.
Os paranaenses estavam plenamente envolvidos no trabalho de fortalecimento da economia regional, mas se mostravam profundamente insatisfeitos com o desprezo que o novo governo liberal deu ao projeto de criar o Paraná. Foi afastando da causa revolucionária liberal que os paranaenses chegaram ao acordo para a criação da Província. E agora o governo era liberal e não estava disposto a cumprir o acordo celebrado entre o Paraná e o governo conservador.
Partidário dessa posição, o respeitado líder liberal Diogo Feijó avisava aos paranaenses que a oferta da emancipação havia sido um engodo tramado pelos conservadores paulistas para manter as lideranças da região sob o controle do governo.
Era difícil compreender as nuances desse raciocínio, mas as diferenças entre discursos e intenções já são bem antigas na sinuosa e complexa política das elites brasileiras. Como diria em breve o senador Holanda Cavalcanti (1797–1863), ao imperador Pedro II, nada mais se assemelhava a um conservador que um liberal no poder.
Na imprensa, o ano de 1844 começou com a intensificação da demanda paranaense por sua Província e os ataques dos liberais do Império e do governo provincial paulista ao projeto. A batalha se intensificava. O jornal Governista, de São Paulo, seguindo a orientação do presidente provincial conservador, capitão Manoel Felizardo de Souza e Mello, também jornalista, defendia a criação da nova Província. Os liberais bombardeavam o projeto e não o deixavam avançar.
(Fonte: Projeto Livrai-Nos!, Paraná, Tempo de Formação)