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Filhos: da consanguinidade ao amor

O Direito estabelece algumas presunções no que diz respeito ao tema, tanto ao pai, quanto à mãe

Filhos: da consanguinidade ao amor

Dado que a filiação é para além de um fato biológico, mas também um construído social, o Direito estabelece algumas presunções no que diz respeito ao tema, tanto ao pai, quanto à mãe. Como regra geral, mãe é quem dá à luz e pai é o marido da mãe, dando prioridade à relação derivada do matrimônio, por aspectos patrimoniais e pela segurança jurídica.

Grande avanço legislativo foi a equiparação dos filhos, independentemente de sua origem, desagregando ranços históricos e sociais do âmbito legislativo. Apesar disso, ainda existe discriminação, com nomenclaturas contrárias à dignidade dos menores, e a própria lei distingue a filiação por decorrência da lei ou ato de vontade. Isto é, os filhos oriundos na constância do casamento são presumidos do casal, não podendo arbitrariamente o pai negar a filiação; já os filhos oriundos de outras relações, como a união estável, concubinato ou namoro, dependem do reconhecimento paterno para registro. Recentes avanços dos tribunais buscam cotejar a presunção para a união estável, já que houve equiparação constitucional de ambos institutos.

Resultado dessa filiação por ato de vontade: milhões de brasileiros sem filiação paterna no registro de nascimento e a necessidade de readequação do procedimento de instauração de ação de investigação e declaração de paternidade. Outro entrave: a colisão do direito do filho à identidade e do direito à integridade física do pai para a coleta de exame de DNA. A solução: presunção da paternidade pela negativa na realização do exame. Mecanismos pautados na proporcionalidade como forma de resolução na colisão de direitos tão caros aos indivíduos.

Contudo, a sociedade, de viés líquido, ganha novos contornos e novas perspectivas, seja pelo avanço tecnológico, seja pela modificação da moral social que ocorre de forma paulatina. Assim, há poucas décadas, é possível alcançar a filiação por técnicas de reprodução assistida, alargando as concepções no que diz respeito à paternidade e também à maternidade. Surgem as reproduções assistidas classificadas como homólogas e heterólogas. No primeiro caso, o material genético é do casal que se submete aos procedimentos médicos; no segundo, há o uso de material genético doado por terceiro anônimo. Neste, a filiação, ainda que declarada, em nome da verdade genéticas, não terá efeitos para o doador, mas para o marido da mãe que consentiu com a técnica.

Avança também a conhecida “barriga de aluguel” ou cessão temporária de útero, em que, de forma inovadora, a mãe (sempre certa, desde o período romano) passa a ser quem dá afeto e não quem dá à luz. Conflitos éticos e psicológicos são amplamente discutidos nessa modalidade, pois a mulher é apenas instrumento para alcançar a filiação a terceiro, podendo ser ponderado como forma de controle do corpo feminino, mas também como empoderamento e liberdade sobre o mesmo.

Tais formas de filiação, embora previstas sucintamente pela lei, encontram entraves na regulamentação legal e em aspectos éticos e morais de uma sociedade tradicionalista. Pululam, portanto, novos processos e novas discussões sobre tema outrora aparentemente pacificado. Os laços consanguíneos são postos de lado em prol da afetividade, que é o fundamento das relações intersubjetivas familiares.

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Políticas