São Paulo – O primeiro debate dos principais candidatos à Presidência da República foi de poucas emoções e quase nada de propostas de governo. Cabo Daciolo (Patriota), Jair Bolsonaro (PSL) e Guilherme Boulos (Psol) protagonizaram momentos mais ríspidos, mas no decorrer do programa se ajustaram ao clima de paz, e até arrancaram risadas da plateia.
Em sua primeira fala, Daciolo foi de sola: “Glória a Deus! Essa aqui representa a velha política do Brasil”, disse, referindo-se aos candidatos e ao tempo em que estão na vida pública. “Chega! Chega! Essa é a velha política que engana o povo. Chega nesse momento e eles têm solução pra tudo. Mas não mudam nada. Essa é a hora de mudar tudo. Tenho que investir em educação, ciência e tecnologia, institutos federais, capacitar e preparar mão de obra, a partir daí, oxigena o País. Vou dar o direito ao trabalho, em nome do Jesus.”
O senador Alvaro Dias (Podemos), do Paraná, foi o primeiro a falar e, em vez de responder à pergunta sobre geração de emprego, aproveitou para se apresentar. Disse que, durante seu governo no Paraná, combateu a corrupção e abriu mão de privilégios, como a aposentadoria de ex-governador, que, se paga, hoje equivaleria a R$ 10 milhões, “uma mega-sena!”
No transcorrer do programa, Alvaro foi se mostrando mais confiante e conseguiu manter respostas ácidas e coerentes. Várias vezes repetiu que é preciso que o brasileiro “abra o olho”, especialmente “com esse sistema de aparelhamento do Estado, do balcão de negócios corrupto e incompetente (…) Com esse sistema, o Brasil não vai alcançar os índices de crescimento compatível com sua grandeza. Por isso defendemos a refundação da República”, tema que tem sido o mote da sua campanha.
O ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) fez um bom discurso de abertura, com informações que repetiu diversas vezes ao longo do programa: “O Brasil precisa crescer, para isso precisa ter investimento, e investimento é confiança.”
Ele defendeu a adoção de medidas que reduzam impostos e a simplificação tributária para destravar a economia. Também falou em abertura comercial e na redução do custo Brasil. “O Brasil ficou caro e perdeu competitividade. Precisa voltar a crescer forte, melhorar o poder de compra, o salário, a renda da nossa população. Essa é a nossa prioridade”.
Outra “ex”
Veterana na corrida à Presidência, Marina Silva (Rede) falou muito sobre o que quer para o País, mas não apresentou proposta concreta: “Retorno com a clareza de que nosso País tem problemas muito graves a ser enfrentado. Há quatro anos estávamos aqui e foi anunciado que a questão da criminalidade estava alta, 59 mil mortes por ano. Chegamos agora com mais de 60 mil assassinados, e 13 milhões de desempregados (…) Com certeza, eu, que sei o que é não ter um emprego, tenho compromisso em fazer esse País voltar a crescer para que possa voltar a gerar emprego, renda, vida digna”.
Bolsonaro estava comedido em seus comentários e abriu sua participação dizendo que “a nossa missão é dar esperança, é dar certeza que faremos um governo diferente. Entre outras medidas, o Brasil precisa voltar a fazer comércio no mundo todo sem viés ideológico, precisa agregar valor àquilo que tem, nos campos de petróleo e inclusive no campo. Precisa ser desburocratizado, tem que ser desregulamentado, todos sabemos que o salário do Brasil é pouco para quem recebe e muito para quem paga”.
Defesa a Lula
Praticamente esquecido durante o debate, o único que fez questão de lembrar do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato e que não participou do debate porque está preso em Curitiba, Boulos disse que “Lula está preso injustamente, enquanto [Michel] Temer está solto em Brasília”.
O mais polêmico do debate, Boulos disse que vai revogar as medidas tomadas pelo Governo Temer, como a reforma trabalhista, vai impedir a reforma da Previdência, e revogar a Emenda Constitucional 95, que corta investimentos. “Vamos retomar investimentos com o programa Levanta Brasil. Para isso, vai ter que mexer nos privilégios dos mais ricos. Vamos fazer reforma tributária, hoje o trabalhador e a classe média é que sustentam o País. Vamos acabar com essa esculhambação que representa hoje a desigualdade dos benefícios neste País.”
Meirelles e Ciro falam de economia
Henrique Meirelles (MDB) citou várias vezes seu currículo como ministro da Fazenda e presidente do Banco Central e lembrou do passado: “Criamos emprego, criamos estabilidade na economia. e o Brasil criou cerca de 10 milhões de empregos. Tiramos o Brasil da maior recessão da história; voltamos a criar 2 milhões de emprego”, disse, referindo-se ao Governo Lula. “Ao contrário do que muitos pensam, não se cria emprego no grito, mas com política econômica correta. Ao assumirmos o governo, aumenta a confiança, o Brasil vai crescer e vai ter emprego”.
Já Ciro Gomes (PDT) procurou ser mais técnico, sempre tentando apresentar propostas de governo, embora sem explicar como faria os “milagres” e muitas vezes partindo para a demagogia, como dizer que vai ajudar os endividados a quitar as contas. Disse que tem uma proposta de gerar no primeiro ano de governo 2 milhões de emprego. “O caminho é consertar os motores do crescimento que estão praticamente todos estrangulados. O consumo de família, os 63 milhões de brasileiros no SPC [Serviço de Crédito ao Consumidor], vou ajudar a pagar essas dívidas para que eles voltem a consumir. (…) O empresariado tem R$ 2,6 trilhões de dívidas, vou descartelizar o sistema financeiro, consertar as contas públicas, retomar as 5,7 mil obras paradas, isso emprega rapidamente quem não tem qualificação, e política de comércio exterior, sem ilusões. Lá fora se financia a zero, o Brasil se financia a 40% de juro”.
“Você é racista, machista e homofóbico”
O segundo bloco começou um pouco mais quente, especialmente quando o candidato Guilherme Boulos escolheu Jair Bolsonaro para fazer sua pergunta. “Quem é a Val?”
Bolsonaro parecia nem acreditar no questionamento. Disse que a “Dona Val” é uma funcionária que mora em Angra dos Reis (RJ), “humilde, trabalhadora, que sempre prestou um serviço a mim, de longe”. E, após Boulos dizer que ele tinha cinco imóveis e que fez da política um negócio de família, disse que o “Ministério Público já revirou a minha vida de perna pro ar. Tenho moral para indicar meus filhos e o povo acredita em mim. Nunca estive metido no Poder Executivo, nunca fui ministro, sou humilde e me orgulho da minha honestidade”.
Apesar da reação mansa, o ataque continuou: “O Brasil sabe que você é racista, machista e homofóbico. (…) A Val é funcionária fantasma, que, com o marido, tem a responsabilidade de cuidar dos cachorros dele em Angra. (…) Ela é vítima de pessoas como ele [Bolsonaro] (…) que representa a velha política corrupta. Tem 27 anos de deputado, aprovou dois projetos e comprou cinco imóveis. Você não tem vergonha?”, rebateu Boulos, e recebeu a resposta: “Imoral é você fazer o que faz. Não venho aqui bater boca com uma pessoa como você.”
Reforma trabalhista: tira ou fica
Bastante criticada pela maioria dos candidatos, a reforma trabalhista foi elogiada por Geraldo Alckmin. “Sou favorável à reforma, foi um avanço. O grande desafio não só do Brasil, mas do mundo inteiro, é [gerar] emprego e renda. A tecnologia permite fazer mais com menos gente. O que tínhamos era um grande cartório: 17 mil sindicatos no Brasil, sendo 11,5 mil de trabalhadores e mais de 5 mil patronais. Era um verdadeiro cartório mantido com imposto sindical, sem convenção coletiva. Vamos prestigiar aquele sindicato que representa o trabalhador, defender o direito do trabalhador, mas a reforma era necessária”.
Para Ciro Gomes, a reforma veio para agravar a condição do povo, com 13 milhões de desempregados e 32 milhões vivendo de bico. “Essa reforma trabalhista introduziu no mundo do trabalho muita insegurança, medo do futuro, e essa selvageria nunca fez país nenhum do mundo prosperar. É um erro grave. Vou ter que corrigir isso”.
Direitos das mulheres
Alvaro Dias insistiu algumas vezes quanto ao crescimento da violência, especialmente contra mulheres, e falou sobre a desigualdade de gêneros. “A mortalidade infantil voltou a crescer, os crimes contra a mulher também. (…) [mulheres com] salários injustos. Não basta defendermos o direito das mulheres. (…) É preciso protagonismo, participação econômica, política, valorizarmos as mulheres”.
Questionado sobre o assunto, Jair Bolsonaro disse que tem um projeto que visa à castração química voluntária de estupradores em troca de progressão de pena, “mas que a bancada feminina de esquerda na Câmara é contrária a isso, e, sobre salário, tem muito local que mulher ganha mais que homem, deveríamos lutar para reduzir o salário dessas mulheres competentes? O Estado não deve interferir nisso.”
Saúde pública
Questionada sobre a dificuldade de acesso ao SUS (Sistema Único de Saúde), Marina Silva disse que o problema é o sucateamento do sistema, porque não foi adequadamente implantado. “É um preço muito alto que a população paga. Sobretudo a população mais pobre, sobretudo as mulheres. (…) temos que implementar um sistema único de saúde que possa atender nas instâncias e modalidades a que foi concebido. Atendimento básico nas unidades básicas de saúde, médicos da família; atendimento de média complexidade que não funciona adequadamente”. “Entra governo, sai governo e as promessas são as mesmas. A maior parte não tem esgoto tratado e uma boa parte da nossa população padece da falta de saneamento. O SUS deve ser implementado por políticos que cumpram suas promessas”.
“Caixa-preta” do BNDES
Ao questionar Alvaro Dias, Jair Bolsonaro elogiou sua iniciativa em querer abrir a “caixa-preta” do BNDES, mas lembrou que o vice de Alvaro é ex-presidente do Banco Nacional: “Sabemos que muita coisa está errada lá, dinheiro emprestado para amigos do rei com juros baixíssimos, mas o senhor escolheu um vice que veio de lá. Vocês compartilham da mesma opinião?”
“Meu vice, economista do ano, vem em razão da convergência das nossas propostas. Quando esteve no BNDES começou a mudar a realidade. O governo, com sua contabilidade criativa e política econômica equivocada, transferiu do BNDES R$ 45 bilhões a outras nações através de grandes empreiteiras que realizaram obras em Cuba, Moçambique, em vez de investir no Brasil. Não permitiremos que o BNDES empreste para nações comandadas por ditadores corruptos e sanguinários. Os recursos do BNDES não vão construir metrô na Venezuela; poderão despoluir o Tietê”.
Assuntos mais abordados
Dentre os assuntos mais abordados esteve o desemprego, a segurança pública, o déficit fiscal e as grandes reformas. Marina Silva criticou a medida que congela os investimentos por 20 anos e disse que, para que o País volte a crescer, terá de enfrentar questões como a Previdência, “mas não com propostas draconianas”, e que recupere credibilidade para voltar a crescer.
Geraldo Alckmin falou da queda de assassinatos em São Paulo, de 13 mil mortes em 2001 para 3.503 ano passado. “Vamos enfrentar duramente o crime organizado, especialmente a questão de fronteiras, tráfico de drogas e armas, integrando as inteligências da Polícia Federal com estados, criar uma guarda nacional para proteger áreas rurais, apoiar os estados”.
Jair Bolsonaro voltou a defender o direito de os civis andarem armados e de mais valorização ao policial.
Alvaro Dias lembrou que no Brasil morreram mais pessoas em dez anos que em toda a guerra do Vietnã e que os “governantes deveriam pedir perdão ao povo brasileiro”. “Tem recursos, o problema é honestidade e competência. É preciso restabelecer a autoridade, porque, sem ela, o crime se sobrepõe e cresce”.
Já o Cabo Daciolo disse que “o grande problema é a falta de amor ao próximo”.