Política

OPINIÃO: Prisioneiro e mito, o rei do Brasil

O Brasil sofreu muitas crises, das quais saiu com poucos alegres vencedores e um derrotado de muitas tristezas: o povo. Elas vieram do fracasso de grandes planos que deram xabu. A independência, por exemplo, foi um plano tramado entre Portugal e Inglaterra para engrandecer os dois países à custa do sacrifício de um terceiro: o Brasil, que dormiu independente em 7 de setembro de 1822 e acordou dependente logo depois, via endividamento.

Juscelino Kubitschek e o plano “50 anos em 5” também naufragaram em dívidas. E assim igualmente o Brasil Grande, engendrado pela ditadura do 1º de abril, que se arruinou pela crise de 1980/81, mãe de todas as desgraças posteriores, que nem o Real nem a Carta aos Brasileiros conseguiram dar fim.

Agora, com vários candidatos a rei do Brasil, haverá chances para um novo grande plano dar certo? Pelos discursos, não será eleito um presidente para obedecer às leis, mas um milagreiro perjuro: jura cumprir a Constituição e as leis que começará a destruir no mesmo dia.

Sendo uma campanha para monarca todo-poderoso, cabe embarcar na história em busca de precedentes. O Brasil já teve um “rei”? Houve um náufrago prisioneiro que virou mito, cacique branco empoderado pela arma em punho. A “campanha” desse rei começou misteriosa, com Diogo Álvares Correia navegando entre 1509 e 1510 em um navio que poderia ser português.

Seria um nobre degredado que por cometer algum crime foi jogado na região do Rio Vermelho, na Bahia, para cumprir pena em uma grande prisão a céu aberto? Uma das versões reza que naufragou como tripulante de um navio corsário francês que fazia o contrabando de pau-brasil e se viu aprisionado pelos índios.

Diogo Álvares Correia teria iniciado seu mito com o barulho assustador do disparo de uma arma. Para matar “uma ave”, segundo a versão de Gabriel Soares de Souza… Aí, os índios, que não conheciam a pólvora, surpresos com a explosão, passaram a chamá-lo de “Caramuru” (moreia ou filho do trovão, é escolher a definição).

O fato é que Correia depois do tiroteio foi um vencedor entre os europeus e traçou uma história pontilhada de fantasias, frequentando poemas, romances e filmes sem muito apego à verdade, como ocorre nas campanhas eleitorais. Usou o poder para virar o mito que acumulou riqueza e forjou admiração.

A narrativa de que ganhou respeito na base do tiro, disseminada pelo padre jesuíta Simão de Vasconcelos, foi alvejada criticamente por um historiador respeitado, Francisco Adolfo de Varnhagen, que nunca levou o mito a sério. Segundo a organização Small Arms Survey, sério mesmo foi o legado advindo do tiroteio quinhentista que supostamente matou a tal “ave”: em 2017 o Brasil foi o campeão mundial de mortes com armas de fogo.

Provavelmente já não se contará mais essa história, ideologizada e mitológica, na vigiada escola sem partido. O mito Caramuru evoluiu para alguns sambas-enredo no Carnaval e virou nome de uma fábrica de fogos de artifício. Alguns dão xabu, talvez um pouco menos que os grandes planos econômicos.

Alceu A. Sperança é escritor – [email protected]