Ex-prefeito de Corbélia é “homem de confiança” do governador Beto Richa desde outubro de 2016
Corbélia – Foi protocolada na Vara da Fazenda Pública de Corbélia uma ação popular assinada por moradores pedindo o afastamento do coordenador regional do governo do Estado, Eliezer José Fontana, de suas funções. Ele foi nomeado no cargo comissionado pelo governador Beto Richa em outubro do ano passado com um salário de quase R$ 11 mil, conforme o Portal da Transparência do Governo do Paraná.
O advogado que fundamentou a ação, Fernando Moura, procurou a reportagem do O Paraná após a veiculação de reportagem nesta semana a respeito da informação de que o TCE-PR (Tribunal de Contas do Estado do Paraná) julgou irregular e o Município de Corbélia está cobrando, em execução fiscal, R$ 6,7 milhões do ex-prefeito e da Oscip Indecorb (Instituto de Desenvolvimento e Integração Social de Corbélia), a qual foi contratada por Eliezer enquanto era gestor municipal – nos anos de 2008 e 2009 – para prestação de serviços na área da saúde e da assistência social. O TCE julgou a prestação de contas irregular e o ato foi referendado pelo Executivo municipal.
Para o advogado Fernando Moura, diante desse e de outros fatos, “Eliezer ocupa um cargo público contraditório à lei da Ficha Limpa estadual”. “Ele possui condenação em segunda instância [Tribunal de Justiça] pelo crime de improbidade administrativa [leia mais nesta página], foi condenado pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná por ter contas julgadas irregulares [do período em que foi prefeito de Crobélia]. Nesta ação, estamos pedindo seu afastamento por força de liminar”, detalha.
A expectativa é para que o pedido seja julgado pela juíza Vivian de Andrade nos próximos dias.
O que justifica o pedido de afastamento
Pouca gente sabe, mas no Paraná existe uma lei, a 16.971/2011, sancionada pelo governador Beto Richa em dezembro de 2011, que dita regras de quem pode e não pode assumir um cargo público no Estado, como os comissionados. Se a versão estadual da Lei da Ficha Limpa proposta pelos deputados André Bueno, Ney Leprevost, Stephanes Junior, Marcelo Rangel e Cesar Silvestri Filho seguisse a Lei da Ficha Limpa nacional, condenados em segunda instância, em Tribunais de Justiça, por exemplo, não poderiam assumir funções públicas. Mas aqui a história não é bem assim.
Uma brecha na legislação paranaense permite que condenados em segunda instância, inclusive por crimes de improbidade administrativa, exerçam funções comissionadas. A lei só restringe ao cargo quem for condenado com trânsito em julgado, ou seja, depois que não couberem mais recursos, inclusive no STJ (Superior Tribunal de Justiça). “Mas estamos pedindo na liminar o julgamento dela por analogia à Lei Complementar 64, pois existem condenações [contra Eliezer] em segunda instância e contas julgadas irregulares pelo TCE”, argumenta o advogado.
A brecha na lei – que mais parece uma porta – garante ao homem de confiança do governador Beto Richa na região oeste do Paraná que exerça o cargo comissionado. Eliezer foi nomeado pelo Decreto 5.272, em 10 de outubro de 2016, publicado no Diário Oficial 9.800, de 11 de outubro do ano passado.
TJ condena ex-prefeito por improbidade
Curitiba – A condenação de Eliezer Fontana em segunda instância, por pelo menos um dos processos de improbidade administrativa a que responde relacionado ao período em que era prefeito de Corbélia, foi proferida em julho. O ex-prefeito recorreu ao STJ.
O processo diz respeito a uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público da Comarca de Corbélia, na qual o órgão pede a devolução de R$ 23.992 gastos por Eliezer e sua esposa, Lizmari Vieira do Prado Fontana. Conforme a ação, o dinheiro foi gasto em uma viagem à Europa com verbas que saíram dos cofres municipais.
A viagem na época foi organizada pela Amop (Associação dos Municípios do Oeste do Paraná), instituição que Eliezer presidia. Mas o que chama a atenção é o motivo alegado pelo MP na ação: não se poderia justificar o uso desses recursos para a viagem técnica já que a prefeitura atendia em turno único para diminuir as despesas, uma das medidas adotadas para contenção de gastos.
Ficha é extensa
Na “ficha” estão ainda diversos processos cíveis e criminais contra Eliezer Fontana, segundo apurado pela reportagem de O Paraná no Cartório Distribuidor do Fórum de Corbélia.
São pelo menos duas ações penais e uma queixa-crime. Quanto às ações cíveis, há execuções de títulos, autos de cobrança, execuções fiscais, ação monitória e pelo menos quatro ações civis públicas, duas delas já arquivadas e duas por improbidade administrativa em tramitação. A outra por improbidade administrativa diz respeito – segundo relatórios do Ministério Público – à compra de medicamentos sem a realização de licitação. Esse processo segue em trâmite e já teria passado, inclusive, pelo Tribunal de Justiça aguardando julgamento em instância superior.
Outro lado: Eliezer se defende
Após procurado diversas vezes, Eliezer José Fontana entrou em contato com a reportagem do Jornal O Paraná. Falou muito, mas autorizou a publicação apenas do seguinte: disse que fez sua defesa sobre a condenação do TJ e que ingressou por meio de seu advogado com recurso pedindo a anulação do processo porque suas testemunhas sequer foram ouvidas em Curitiba. O recurso já foi apresentado no STJ. “Fiz essa viagem técnica como presidente da Amop com ações que deram resultados para a região, como o parque tecnológico de Foz do Iguaçu, que vimos o modelo na Europa. Mas minhas testemunhas não foram ouvidas, vamos pedir esta ação rescisória para anular o processo”, disse.
Segundo Eliezer, esse desdobramento diz respeito à ação criminal e que outras ações civis públicas impetradas contra ele foram arquivadas, inclusive uma que trata da compra de medicamentos sem licitação. Ocorre que, segundo o apurado pela reportagem, o arquivamento a que Eliezer se refere diz respeito à compra de materiais odontológicos. O arquivamento ocorreu mês passado. O outro processo da compra de medicamentos sem licitação continua tramitando na Justiça.
Quanto à liminar pedindo seu afastamento, Eliezer não quis se manifestar.
O que diz o governo do Estado
A respeito da nomeação de uma pessoa com extensa ficha de ações, inquéritos e até condenação em segunda instância para um cargo de confiança atuando como representante do governo do Estado na região oeste, o setor de Recursos Humanos do Estado informou que todo “indicado preenche e assina a Ficha Cadastral, a Declaração de Acúmulo de Cargos (ou não), a autorização para que o Estado tenha acesso às informação da Declaração de Imposto de Renda, a declaração de que não tem relação de nepotismo conforme previsto no Decreto 26/2015, e a declaração (por meio de um questionário) de que não está incurso em nenhum dos itens relacionados na Lei Estadual 16971/11, que trata da vedação para ocupar cargos ou funções no Estado do Paraná”.
O RH considera ainda que a Lei 16.971/11 veda apenas a nomeação para condenados com decisão transitada em julgado, desde a condenação até o transcurso de quatro anos após o cumprimento da pena, o que não impediria Eliezer Fontana de assumir as funções. “O Recursos Humanos respeita a legislação e age de acordo com a declaração do nomeado de que não está incurso nas vedações previstas”, afirmou a Pasta, em nota, que segue: “O nomeado [Eliezer José Fontana] apresentou todos os documentos exigidos pela legislação. De acordo com a lei citada, somente os condenados com trânsito em julgado são impedidos de ocupar função pública”.