Policial

Quadrilhas migram do cigarro ao agrotóxico para financiar tráfico

Além do valor mais alto, o agrotóxico de origem chinesa trazido do Paraguai ocupa menos espaço. No porta-malas de um carro os bandidos conseguem lucrar o mesmo que um caminhão cheio de cigarro paraguaio.

Agrotóxicos foram encontrados até em tanque de combustíveis - Foto: Divulgação
Agrotóxicos foram encontrados até em tanque de combustíveis - Foto: Divulgação

Reportagem: Josimar Bagatoli 

Corbélia – Ante a forte repressão ao cigarro ilegal e para financiar a rede de tráfico de drogas, quadrilhas recorrem à venda de agrotóxicos a produtores rurais do oeste do Paraná. Além do valor mais alto, o agrotóxico de origem chinesa trazido do Paraguai ocupa menos espaço. No porta-malas de um carro os bandidos conseguem lucrar o mesmo que um caminhão cheio de cigarro paraguaio. “Com 40 ou 50 quilos de agrotóxico eles conseguem ganhar o mesmo que receberiam pelo transporte de maconha e até cigarros. Além disso, as punições são brandas: por tráfico são 15 anos de prisão, para o transporte de agrotóxicos são apenas quatro. Tornou-se muito mais vantajoso que o tráfico”, explica o promotor de Justiça Giovani Ferri.

O acesso aos agrotóxicos clandestinos é facilitado pela fronteira com o Paraguai. Tal negócio só dá certo em virtude da receptação certa: agricultores coniventes com o mercado ilegal, atraídos pelos baixos valores dos produtos ilegais. “Temos impacto ambiental, social e econômico devido ao uso de produtos de origem desconhecida. O uso de agrotóxicos precisa ter esse controle sanitário, que ganhou força com a ação do governo federal”, diz Cleverson Freitas, superintendente do Ministério da Agricultura.

Em três dias de ação, uma força-tarefa apreendeu seis toneladas de agrotóxicos ilegais em todo o Paraná, com foco nas regiões oeste e sudoeste. A Operação Westsida (referência ao west – oeste + inseticida) resultou em 35 autuações, sendo 34 para produtores rurais por uso, armazenamento e importação de agrotóxico ilegal e uma para comerciante por armazenamento e comércio de agrotóxico ilegal. Foram cumpridos 14 mandados de busca e apreensão, 60 denunciados por uso e comércio de agrotóxicos ilegais, efetuadas 12 prisões em flagrante e apreendidas 15 armas sem registro.

A ação resultou em R$ 1 milhão em multas aplicadas, após pente-fino em 439 propriedades rurais – sendo 358 localizadas no oeste e no sudoeste do Estado -, 17 revendas de insumos agrícolas e 1.193 veículos.

Três presos já tinham condenação por tráfico de drogas, o que confirma a migração dos bandidos para essa ação. “Essa migração nos preocupa, pois, com esse dinheiro, eles fomentam outros crimes”, alerta Ferri.

Um caso demonstra o poder do grupo envolvido. Um receptador de Corbélia guardava em casa e em duas propriedades rurais 3.321 litros de agrotóxicos contrabandeados, mais 1.031 quilos, totalizando mais de quatro toneladas. O homem, que não teve a identidade revelada, ficou poucas horas detido pois pagou imediatamente a fiança de R$ 100 mil. “Isso demonstra o quanto eles têm poder. Não estamos tratando de pessoas de baixo poder aquisitivo, mas de organizações criminosas, com suporte financeiro”, diz o promotor de Justiça.

Coordenada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a ação contou com a participação do Ministério Público do Paraná, da Adapar (Agência de Defesa Agropecuária do Paraná), do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Militar do Paraná.

Rota: rodovias federais e estaduais

As rodovias federais e estaduais são rotas comuns dessas mercadorias: o que exige das polícias uma fiscalização cada vez mais rígida. “Tivemos duas grandes apreensões neste ano em ações de rotina em rodovias, uma em setembro e outra em outubro. Em um dos casos a carga foi furtada de uma empresa em Santa Catarina”, afirma Victor Gradin, inspetor de tráfego da Polícia Rodoviária Federal.

Para transportar os agrotóxicos sem riscos, os criminosos usam “batedores”. “Mesmo artifício dos traficantes e contrabandistas… é um grande esquema já montado”, diz Gradin.

O BPFron (Batalhão de Fronteira) também atua contra os agrotóxicos clandestinos: “O dinheiro da venda desse produto financia o restante do trabalho do crime organizado. Eles possuem olheiros para vigiar as forças policiais, uma organização extremamente articulada. Seja pelo cigarro ou pelo agrotóxico, podemos ver o quanto eles mobilizam financeiramente”, afirma o tenente-coronel Saulo de Tarso Sanson Silva, comandante do BPFron, que revela situações perturbadoras: “Tem casos que prendemos três, quatro vezes a mesma pessoa. Existem as chamadas ‘mulas’ que fazem esse transporte. Eles conseguem ser soltos e logo voltam ao crime”.

Receptadores punidos

O serviço de inteligência policial revela que há uma grande articulação dos criminosos para manter essa fonte rentável. Como repressão, a ação será intensificada contra os receptadores. “Esses que foram identificados [agricultores] serão rigorosamente punidos, administrativa, civil e criminalmente. É um problema ambiental, de saúde pública, ao consumidor e gera responsabilidade ao agricultor que contribui para essa cadeia criminosa. Vamos punir severamente quem adquire o produto ilegal”, promete o promotor Giovani Ferri.

Esconderijos

As seis toneladas apreendidas estavam escondidas de diferentes maneiras: em galpões, em um quarto de uma casa e até dentro de um tanque de combustível abandonado. A ação policial ocorreu de 4 a 8 de novembro. “Tivemos que agir rapidamente, a partir da margem do Rio Paraná. Sabíamos que conforme iniciássemos nosso trabalho os criminosos avisariam os demais”, conta Marcelo Bressan, chefe do serviço de fiscalização de insumos e sanidade vegetal do Ministério da Agricultura.

Foram encontrados também agrotóxicos vencidos, com lote de origem raspado e embalados em caixas de formicidas.

Fortemente armados

A fiscalização contou com grande aparato policial. Diante do envolvimento de quadrilhas, o receio era de uma eventual represália. E o zelo foi justificado com o total de armas apreendidas: 15, todas sem porte legal. “Isso ocorreu justamente onde precisamos de ordens de busca e apreensão. Contamos com o apoio do Ministério Público nessa ação. Eram os casos de maior risco, já pontuados pela inteligência”, afirma Marcelo Bressan, chefe do serviço de fiscalização de insumos e sanidade vegetal do Ministério da Agricultura.

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