Opinião

Coluna Direito da Família

Impedidos ao “sim”

Os amantes shakespearianos Romeu e Julieta encontraram um entrave para viver seu suposto amor para além da morte: os desejos das famílias. Por certo que o consentimento deve ser dos nubentes e não dos familiares, sendo que mesmo nos casos em que se faz necessária a autorização dos pais para o casamento, esta se limita a requisito formal, dada a limitação da capacidade jurídica. Serão os contraentes que terão todos os direitos e obrigações derivados do casamento.

Ainda que seja possível dissociar os aspectos da vida pública e privada, sendo regidas, inclusive, por regras com fundamentos distintos, há necessária congruência entre ambos, na medida em que não se vive mais na democracia pública e absolutismo privado, de poder absoluto do chefe de família. Dessa forma, se a família é base da sociedade, conforme ensinou Max Webber há alguns séculos, existem fatores de repugna social que influenciam no âmbito doméstico. Por esse motivo, a lei impede o casamento entre algumas pessoas, por motivos diversos.

Há impedimento matrimonial àqueles que são parentes próximos, independentemente de a relação ser consanguínea ou não (estende-se às relações socioafetivas e derivadas da adoção). Não se pode mais alegar meramente fundamento eugênico, mas de cunho patrimonial e ético. Assim, é proibido o casamento entre pais, avós e filhos ou netos, entre sogros, genros e enteados, entre irmãos e tios e sobrinhos. Existe entre estes relações de parentesco, das quais derivam direitos e obrigações que perduram, inclusive, para além da morte.

Também são proibidos de casar as pessoas já casadas, sendo que a infringência a tal regra é ilícita. A bigamia é considerada crime. Contudo, percebe-se que o impedimento relaciona-se ao matrimônio, não sendo criminosa a conduta adúltera. Aliás, o Direito, via de regra, reconhece o adultério como “nada jurídico”,isto é, não lhe atribui efeitos, ressalvada a produção de dano a outrem e a obrigatoriedade de ressarcimento.

Ainda, a lei não permite o matrimônio ao viúvo/ à viúva com o assassino daquele que morreu, como forma de coibir o usufruto de benefícios da torpeza de tirar a vida de alguém. Afinal, o procedimento de divórcio é relativamente simples e direito garantido. Diante da possibilidade da dissolução do casamento, nem mesmo a infelicidade pode ser justificativa para o rompimento abrupto do casamento pela morte.

Vale ressaltar que tais impedimentos também se aplicam à união estável, de modo que esta terá validade desde que os companheiros não estejam impedidos de casar, exceto a disposição sobre as pessoas casadas. Com relação a estas, podem constituir união estável válida, desde que estejam separadas de fato, ou seja, apenas estejam formalmente casadas, mas já não haja mais qualquer relacionamento.

Realmente, a velha máxima de “não meter a colher” na relação alheia é falácia superada, pois certamente existe controle social e estatal aos relacionamentos e seus efeitos. O objetivo central da limitação à autonomia privada reside na efetivação da dignidade enquanto núcleo do indivíduo, de responsabilidade do Estado e da sociedade.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas