Opinião

Coluna AMC: Um resto de liberdade

Coluna AMC: Um resto de liberdade

Coluna AMC: Um resto de liberdade

 

 

Mexendo numa gaveta encontrei uma caixa e dentro dela havia um resto de liberdade. Era tão pouco que quase não se notava, mas estava lá. Embaixo de uns papéis velhos, umas canetas gastas e outras quinquilharias que a gente esquece nas gavetas.

Ela estava um pouco empoeirada e dava para ver que não era uma coisa nova. Eu a puxei lá do fundo, soprei um pouco para tirar o pó, olhei de novo e não sabia o que fazer com ela.

Inicialmente eu pensei em mostrá-la para as pessoas. Perguntar o que fariam se elas tivessem achado.

Outra coisa que eu percebi é que ela tinha um peso. Nada que exigisse muito esforço, mas definitivamente tinha um peso. Então eu pensei, há quanto tempo ela já estava ali guardada? Quem tinha esquecido aquela coisa tão preciosa? Quem não lembrou mais de procurá-la?

Então resolvi sair na rua com ela e ver se alguém percebia alguma coisa. Desci as escadas, abri a porta e saí. A rua estava vazia e o dia estava nublado, até um pouco frio. Coloquei a liberdade no bolso e comecei a caminhar.

Então algumas pessoas começaram a passar por mim, naquele ritmo agitado da vida. Naquela marcha automática dos dias cheios e das cabeças preocupadas. Ninguém me olhava. Apenas passavam. Então tirei a liberdade e comecei a segurá-la na mão direita, depois na esquerda, como um brinquedo ela ia de lá para cá. Caiu no chão e eu a juntei. Soprei de novo para tirar a poeira da rua.

Em uma esquina umas crianças brincavam. Falavam alto e corriam. Ao passar por onde estavam elas vieram ao meu encontro e queriam saber o que eu tinha na mão. Mostrei. Elas riram mais ainda. Um riso de felicidade genuína como ao encontrar um amigo novo. E elas não estranhavam. Olhavam para mim com um ar de certa admiração. Sorri de volta e comecei a entender um pouco.

Continuei andando até voltar para casa. O sol estava dando uma espiada por trás de umas nuvens, naquela sua rota inevitável. E aquilo me fez pensar no meu resto de liberdade. No quanto ela estava esquecida. No quanto ela ainda poderia fazer de diferença neste mundo. E eu quis espalhá-la por aí como se fosse um adubo em uma terra nova. Ou como se pudesse regar o mundo com aquela substância. Depois disso eu sentaria e ficaria olhando, toda mudança que isto causaria.

Eu havia achado um resto de liberdade naquela gaveta. Eu lembrei que ela existia. De alguma forma, nada mais seria igual a antes. Que bom que ela estava ali.

 

Caê Martins, Carlos Eduardo dos Santos Martins

Médico Anestesiologista

CRM/PR – 20965.