Opinião

Coluna AMC: Soneto

Coluna AMC: Soneto

Eu entendo a palavra do soneto. Eu a entendo palavra por palavra, como a vejo. Entendo no mesmo instante em que o poeta a derramou por sobre as folhas. Cada letra encadeada. Cada sentença. Cada ponto e ponto e vírgula. Eu leio o soneto como um bobo com o coração na palma das minhas mãos. O mesmo coração que eu entrego a quem eu amo.

Eu invejo o poeta no seu labor. Eu invejo as ideias que vão se formando como nuvens se acumulando para chuva. O poema é a chuva caindo, inevitável. Devemos aceitar isso e nada mais. O soneto é pausa e movimento. É enfeite e alegoria. Mas também pode ser sério e distante. Apressado e calmo sem perder o compasso. Aquela “asa ritmada” da qual tanto se fala. O soneto ama. O soneto odeia. O soneto é todas as coisas numa só enquanto seus versos banham o litoral da nossa alma. Lavando toda sujeira. Enchendo a paisagem. Trazendo um pouco de saudade.

O som do soneto é pleno de verdade. É fato consumado. Uma flecha que alcança sempre o alvo. Então nos assustamos por algo que pode reter tantas sinceridades. E queremos ser iguais. Queremos ser sinceros e verdadeiros e claros. Queremos o soneto refletindo no que somos e nos somando algo mais, intangível. O soneto é a cama. É a cama onde o amor acontece quando ninguém mais esperava. Ou quando todos esperavam, mas não queriam admitir.

O soneto lança tudo para o alto. Esquece as regras de etiqueta e devolve as cores e os brilhos de alguém que já não queria mais nada dessa vida. O soneto ressuscita, depois de três dias tem-se o seu milagre. A pedra removida pela luz do amor mais brilhante. Basta apenas um instante e nada mais é como já foi.

O soneto chama de volta o casal apaixonado e transforma a noite em dia é o dia em noite, sem nenhum aviso, sem nenhum medo ou culpa. O soneto privilegia as almas que dele se alimentam. E sustenta a vida nas suas mais variáveis formas. Tanto antes como agora. Num infinito daquele instante, quando o poeta o rabiscou. O esboço precário, naquele pedaço de guardanapo sujo de vinho e sangue. O acúmulo das horas em cada vocábulo. A densidade e o peso dos corações opressos.

O soneto não conta histórias. Ele não tem a paciência da prosa. Ele quer ser rápido e intenso como um tombo não evitado.

O soneto não desvia. Ele segue e nos puxa pelo braço mesmo quando não queremos. O soneto toma o espaço e ensina o que for preciso. Antes, agora ou depois. Ele não tem pressa para alcançar a todos com suas grandes asas prateadas.

Carlos Eduardo dos Santos Martins – Anestesiologista – CRM/PR – 20965.