A poesia e a filosofia dialogam entre si, mas não se referiu. São como duas montanhas próximas, mas que se afastam à medida que seleciona ‘subir’ por uma ou outra. E no meio da caminhada costumamos sucumbir, afinal a vida é uma jornada limitada. Fica, então, a sensação de uma travessia onde a realidade não basta por si só, e que cada um tem uma necessidade maior ou menor de buscar significados outros, para além do mundo físico. Aí entra ou pode entrar a arte, que tem uma poesia como ferramenta de síntese e essência, e a filosofia, que procura explicar ou provocar uma reflexão acerca de tudo.
Em certa ocasião, o poeta Goethe se encontrou com o filósofo Shopenhauer, cuja mãe era iniciante como autora de peças de teatro – e se transformados amigos. Os dois são considerados grandes expoentes da cultura alemã. Mas, no início, para Goethe, Shopenhauer era apenas um aspirante a filósofo – um ‘rapaz estranho, porém curioso e interessante’. Para Shopenhauer, Goethe era ‘sereno, sociável, cortês e simpático’, tendendo dele uma dica, como se fosse uma motivação para que não permanecesse tão cético e reservado: “se desejares encontrar prazer na vida, deves atribuir valor ao mundo.”
Ambos eram muito ricos; privilegiados, portanto. Um era espanto, emoção pura: Goethe. Juntamente com sua irmã, foi educado pelos pais, em casa, contando também com tutores contratados. Apreenderam francês, inglês, italiano, latim, grego, ciências, religião, desenho, música, dança e equitação, e tinham uma biblioteca de 2 mil volumes. O outro era reflexão, solidão e admiração contida pela vida: Shopenhauer. Após seu pai ter sido encontrado morto (provavelmente por suicídio), foi estudar na Inglaterra, sozinho, e sempre teve pouca sorte com as mulheres. Tornou-se uma espécie de ermitão, gostava de caminhar horas pelas alamedas, e prezava muito a companhia de animais de estimação, além dos livros de Platão e Aristóteles.
Um era espanto pela sutileza de ser e estar no mundo, em comunhão com a natureza e com os demais seres. O outro era admiração pelo conhecimento lógico e crítico e pela busca de sentido e valores para se obter uma concepção de mundo. Representavam, ambos, as d uas montanhas que são a poesia e a filosofia. E os dois acreditavam, cada um do seu jeito, que o maior prazer de nossas vidas consiste em sermos admirados. Um através da emoção, outro pela razão. E foram se distanciando, na medida em que o tempo passava. Estranho, curioso e interessante, não é mesmo?
Dr. Márcio Couto – Médico Cardiologista.
CRM-PR 14933. Membro da diretoria da AMC.