Opinião

Até que o dinheiro os separe

 

 

A origem do casamento está longe do romantismo. Unidos até que a morte os separe vinculava-se ao aspecto patrimonial. Certamente o sentimento era importante, porém a preservação material alicerçava a união. Não à toa, era comum casamentos entre parentes consaguíneos próximos, no intuito de manter intacto o patrimônio familiar. No Egito Antigo, houve relatos de troca de alianças entre irmãos, na Europa, a fusão de reinos, a exemplo da União Ibérica.

Para tanto, a formalidade é essencial, afinal, o casamento é um tipo de contrato. Os ritos tornam-se essência do ato a fim de garantir a segurança jurídica de tal ato. Os nubentes devem ser maiores e capazes, devem ser livres e desimpedidos para a celebração e devem manifestar livremente seu consentimento, em nome “felizes para sempre”. Além disso, é imprescindível decidir sobre o aspecto patrimonial, isto é, qual regime de bens deve vigorar. Não havendo menção sobre tal pelos nubentes, a lei determina um regime: o de Comunhão Parcial de Bens.

No entanto, existem casos em que a lei pressupõe a vulnerabilidade de alguma das partes na celebração do dito contrato, de modo que impõe um determinado regime de bens. É obrigatório, não podendo ser modificado pela vontade das partes. Resquícios da potestade do Estado no âmbito familiar que reduz o âmbito de liberdade dos indivíduos, contestada na medida em que se busca desconstruir a família modelo pelo paradigma do afeto.

A imposição se dá para os maiores de 70 anos ou aos que dependem de suprimento judicial para casar, como os menores de 18 e maiores de 16, quando não houve autorização dos pais ou responsáveis legais, além do divorciado sem partilha de bens. Nesses casos, a lei impõe que não haja comunicação dos patrimônios de ambos, nem mesmo direito hereditário. Um alívio à família do “Cabeça Branca” que decidiu se casar com a “novinha da selfie”.

Porém, por força de entendimento dos Tribunais, o que for adquirido na constância do casamento pode ser dividido, sendo presumido o esforço em comum, salvo pacto antenupcial determinando os efeitos da separação convencional. Vale destacar que isso não significa que ambos invistam dinheiro, pois o esforço também está no aspecto imaterial, no suporte emocional, nos cuidados com a casa e com a família (trabalho historicamente menosprezado e não remunerado, em virtude da construção patriarcal da sociedade).

E se os ventos da mudança resolverem soprarem, questiona-se: é possível alterar o regime de bens uma vez definido? No caso do regime impositivo, apenas se as circunstâncias que lhe derem causa cessarem, o que é impossível no caso do maior de 70 anos. Nos demais casos, em que há margem de convenção às partes, é possível, porém, é condicionado a vários requisitos: autorização judicial, pedido motivado de ambos os cônjuges e preservados os direitos de terceiros. A presumida boa fé do homem médio desaparece sob o temor da fraude ao patrimônio, talvez porque o legislador tome por base um homem mau por natureza, como lecionava Thomas Hobbes.

Tais disposições remanescem em nossa lei, ainda que o cerne das relações deva ser o afeto, visto que a sociedade da incerteza busca a solidez da segurança jurídica, especialmente a respeito do vetor das relações interpessoais: o capital.

 

Giovanna Back Franco

Advogada e mestre em Ciências Jurídicas

 

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