Cada qual com a sua razão e todos cegos à busca de uma solução, afinal de contas, o ibope depende da discórdia. Em uma sociedade massificada, de pessoas infladas de ego e de mentes bitoladas na rotina, a diversão não está na contemplação ou na discussão de questões existenciais profundas, embriagadas pela sede da transcendência; mas, sim na comezinha repetição de questões cotidianas. Em certa medida, há o retorno ao mero animal laborans (aquele que só repete os assuntos de sobrevivência), sendo que a repetição superficial também ocorre para os dilemas mais complexos.
Soma-se a isso, o fato de que a exploração psicológica a nível midiático passa a ser monetizada, devassando a vida, inclusive, de crianças. Surgem, assim, “trends” (ou moda) de pequenos escrachando palavrões para gerar humor aos adultos, a custas do direito de imagem que deveria estar sob salvaguarda. O desespero descamba ao absurdo, em troca de aprovação popular ou de “likes” (ou curtidas), ainda que de forma negativa. E o pior, as exposições ao ridículo e mesmo ofensas diretas não são postas como violência, mas apenas divergência de opinião.
Aliás, o que pode ser considerado violência? Um tapa, mesmo que supostamente de brincadeira (de mau gosto, por óbvio), pode ser mais grave que a tortura psicológica de constantes humilhações? Difícil encontrar o parâmetro mais seguro para garantir a devida comparação, no entanto, a lei define algumas formas de violência, especialmente no contexto familiar, deixando claro que não se pode limitar o conceito, visto que aquela se evidencia de formas distintas e com consequências nefastas em quaisquer dos casos.
Costumeiramente, a violência ganha corpo aos poucos; começa sutil, mas é ignorada em nome da preservação do afeto das relações. O problema é que, na falta de limites claros, ela avança marcos invisíveis e permeia cada lacuna dos aspectos da convivência, tornando-a insustentável. Daí pode vir o revide, que é tão equivocado quanto à ação primeira. Não ocorrerá, possivelmente, em situações de vulnerabilidade de uma das partes em relação à outra, o que amplia a margem para a sua realização impune.
A vulnerabilidade está sustentada pela confiança, a qual se vê em frangalhos diante da exposição à violência. É possível (e necessário) impor limites de forma clara e positiva e, se estes podem ser compreendidos por crianças, em estágio de desenvolvimento cognitivo, mais ainda podem ser considerados em relações adultas. O que infelizmente pode cegar alguma das partes e abrir espaço ao embate é o desejo de poder e de controle entre os indivíduos, especialmente quando há questões financeiras envolvidas.
Não há dúvidas, no senso comum, de que a violência física deve ser combatida, haja vista suas consequências evidentes. Enquanto, porém, a exploração da violência psicológica monetiza, dificilmente haverá uma punição expressa, mesmo que seus efeitos deturpem a alma. Aliás, essa não pode ser objeto de consumo e é muito complexa para a felicidade fugaz dos indivíduos robotizados pelo ritmo frenético da sociedade, no qual 15 segundos marcam uma vida.
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas