Reportagem: Juliet Manfrin
Toledo – Uma sacola plástica aqui, uma embalagem de bala ali, um saquinho para frutas e verduras no supermercado, uma garrafa pet para a água ou o refrigerante… e quando a gente se dá conta produziu 750 gramas de lixo no dia. Acha pouco? Multiplique isso por 365: somente neste ano, você vai gerar pelo menos 274 quilos de descarte. E para onde você costuma destinar isso?
Na prática, até poderia não ser muito, se a destinação fosse correta e se os resíduos não estivessem gerando um impacto tão preocupante ao meio ambiente. Esse é o alerta da educadora ambiental que corre o mundo para falar de consciência, a socióloga que vive em Toledo, no oeste do Paraná, Moema Viezzer.
O assunto, que já dominou países considerados desenvolvidos com soluções práticas e sustentáveis, ganha efervescência em projetos isolados pelo Brasil. Tem nascido a oportunidade de transformar os resíduos em uma milionária oportunidade de negócios: a indústria do lixo. Mas como? O oeste do Paraná parece ter uma solução.
Vamos voltar um pouquinho no tempo. Há 50 anos, quando foi fundada no ano de 1969, a Amop (Associação dos Municípios do Oeste do Paraná) não pensava que os resíduos se tornariam um grande problema nem que uma das suas principais diretrizes de atuação passaria a ser a destinação de lixo. “Quando a Amop foi fundada, há meio século, a principal articulação era lutar por infraestrutura e logística. A entidade percorria o Estado e o País para viabilizar estradas, rodovias, acessos ao porto, uma ferrovia, aeroportos… A região precisava disso para se desenvolver. Hoje, os resíduos estão no topo da lista das nossas preocupações e nem poderia ser diferente”, destaca Moema.
Tudo isso porque o desenvolvimento veio e, com ele, aumentou o consumo. “O crescimento traz consumo, que, se não for consciente, se transforma em lixo mal destinado”, lembra a socióloga.
Por isso, há o consenso de que consciência ambiental não pode mais ser coisa do futuro. Já existe o entendimento que essa discussão deveria ter ficado lá no passado e que no presente só deveriam existir as boas ações. E que tal irmos em busca delas?
Do pejorativo ao rentável
Aos poucos, o termo pejorativo lixo também se recicla em oportunidades de negócio. A região está focada em um projeto pioneiro no País e na América Latina para a milionária indústria que os resíduos podem proporcionar. Ganha-se em recursos financeiros, mas principalmente em preservação e sustentabilidade, a marca das indústrias e da sociedade do futuro.
Reaproveitar e reciclar vão muito além da máxima estipulada pela Lei dos Resíduos Sólidos de 2010. Ela previa que em poucos anos todos os lixões do Brasil deveriam deixar de existir.
Isso não aconteceu e os prazos vêm sendo prorrogados. Mas a necessidade das boas ações bate à porta.
Segundo o secretário de Desenvolvimento Ambiental e Saneamento de Toledo, Neudi Mosconi, enquanto o País ainda discute o fim dos lixões, o oeste se preparara para pôr fim aos aterros, o que até então era o modelo ideal de destinação de resíduos.
Foi nesse intuito que 33 municípios do oeste do Paraná, articulados pela Amop e com envolvimento da Sema (Secretaria de Estado de Meio Ambiente), também calcado na indústria regional representada pelo POD (Programa Oeste em Desenvolvimento), resolveram se unir para algo inovador que resolve um passivo coletivo.
Nasce então o Consórcio Intermunicipal para Gestão e Tratamento de Resíduos Urbanos do Oeste do Paraná.
Coube a Mosconi a coordenação do Consórcio neste primeiro momento. A base estrutural vai ficar em Toledo e ele explica que a concepção nasceu há uma década, vindo da necessidade de encontrar soluções conjuntas e que onerassem de forma mais equilibrada as contas públicas. Apesar de a região oeste ser uma das mais ricas do Paraná e referência na produção agropecuária brasileira, convive com uma mazela: ainda existem por aqui dez lixões a céu aberto. A ideia é pôr fim neles até o ano que vem.
Somados, os 50 municípios (nem todos participam do consórcio) do oeste geram 700 toneladas de lixo por dia, que até agora só deixaram impacto ambiental e problemas. Mas isso começa a mudar: a regra será a de transformar completamente os resíduos. Quer saber como?
Para onde tudo vai
Entre lixões e aterros – todos com vida útil próximas do fim, na maior parte não dura mais de cinco anos recebendo o atual volume de despejo -, a ideia em edificar essa indústria tem chamado atenção pelo Brasil.
Nos municípios onde os contratos de designação de resíduos estão chegando ao fim, a destinação à unidade regional em Toledo passará a ocorrer já em setembro de 2019, aos demais municípios, no início de 2020.
Veja a tabela de geração de lixo.
E como o consócio vai operar?
Os 32 municípios que já assinaram o protocolo de intenções vão destinar 313 toneladas/dia ao depósito. A coleta e o transporte são de responsabilidade de cada gestor, que também vai desembolsar R$ 100 para a destinação/transformação de cada tonelada, ou seja, o lixo vai exigir de forma direta R$ 31,3 mil por dia e algo próximo a R$ 11,5 milhões por ano para manutenção da estrutura.
O resíduo passará pela reciclagem seletiva e o que for orgânico será transformado em madeira ecológica e em biogás. Assim, apenas um pequeno volume de rejeito, inferior a 10% do total das cargas, deverá ser descartado, aí então vai para o aterro. “O resultado financeiro será compartilhado entre os municípios”, disse Neudi Mosconi.
Ainda não se sabe com precisão quanto isso vai render, o que se sabe é que se trata de algo altamente vantajoso sobre vários pontos de vista.
Para isso, o atual aterro passa por ampliação. A transformação só ocorre a partir de 2020. E você deve se perguntar o que será feito com os resíduos já destinados à unidade até lá? Eles vão para uma espécie de depósito, depois haverá a retirada e a destinação correta. “Estamos definindo o projeto com custo e modelo para o tratamento biológico do lixo, mas o orgânico será transformado em bioenergia a partir de biodigestores, os resíduos seguirão para uma compostagem ou para a queima controlada da matéria orgânica. Os rejeitos intermediários serão usados na produção de madeira biossintética e, por fim, no máximo 10% do que sobrar vai para o aterro”, detalha.
O tratamento mecânico e biológico garante ao oeste do Paraná o pioneirismo nacional: “Também teremos aqui o primeiro aterro público do Paraná de construção civil para reciclagem com uma unidade de produção de biometano combustível para o transporte coletivo e para as prefeituras parceiras com proposta de aterro zero”, destacou.
Desenterrar para tratar
A indústria do lixo regional também vai desenterrar os 24 mil metros do atual aterro para tratamento em Toledo, corrigindo o passivo. Esse projeto já foi entregue ao Estado e contará com uma área de 50 mil metros quadrados cobertos por uma geomembrana solar garantindo o sequestro de 100% do gás para transformá-lo em energia. Nesse caso, a proposta é pioneira em toda a América Latina, contando ainda com lâminas solares superiores à geomembrana para junção da energia da decomposição e a solar.
Isso tudo vai servir como uma unidade-piloto para fomento da política ambiental do Paraná, pondo fim a aterros e lixões nos 399 municípios.
A conscientização
Há o reconhecimento de que as boas ações ambientais só dão certo se todos os elos da corrente caminharem juntos. Quem produz a matéria-prima, quem transforma, quem comercializa, quem consome e, por fim, a destinação. Sabe-se que a conscientização é desafiadora.
O coordenador de Sustentabilidade do Sistema Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), Mauricy Kawano, lembra que iniciativas bem-sucedidas são vistas no setor industrial, mas que existem elos na cadeia que precisam de mais atenção.
O Paraná tem 50,8 mil indústrias que empregam 765 mil pessoas, geram 7,8% do PIB estadual, chegando a R$ 90,3 bilhões e, portanto, fomentando o consumo.
Para o coordenador, pensar na política reversa necessita de um processo embrionário. “É conscientização em todos os elos. A indústria se submete às legislações ambientais, atmosféricas, mas penso que falte algo para quem comercializa. O comércio não passa por uma legislação ambiental. As pessoas também precisam de conscientização sobre a destinação correta. Tudo precisa caminhar junto, só assim pode dar certo”, destacou. “Devemos pensar na logística reversa. O que está surgindo no oeste do Paraná é algo excelente e precisa ser reproduzido”.
E se caminhar juntos é a solução, Neudi Mosconi acredita que o passo que está sendo dado pode, em breve, se disseminar pelo Brasil resultando em indústrias milionárias do lixo por todo o País.