Agronegócio

Royalty: A semente da discórdia

Um embate entre produtores rurais e companhias que desenvolvem sementes, entre elas a estatal Embrapa, multinacionais como a Monsanto e a Syngenta e uma cadeia de 700 empresas menores, coloca em xeque o brilho da agricultura brasileira. O que está em questão é a cobrança pelo direito de uso de variedades de sementes.

Assim como em outros setores, na agricultura há muito consumo de produtos – no caso, os grãos para plantio – sem o pagamento de uma taxa para quem pesquisou e investiu. “É uma característica cultural no Brasil: muitas pessoas e empresas não reconhecem o direito de propriedade intelectual, um problema que ocorre nos mercados de livros, de música, de software e é evidente também no de sementes”, diz o biólogo Fernando Reinach, gestor do fundo de investimento Pitanga. “Essa é uma realidade que precisamos mudar para garantir o avanço da inovação no País”.

A querela entre produtores e empresas tem se intensificado com o aumento do volume de grãos reproduzidos ou adquiridos sem o pagamento de royalties. Dados da consultoria especializada em agronegócio Céleres, em material divulgado recentemente pela revista Exame, mostram que, no caso da soja, as sementes nessas condições representavam 29% da safra de 2015 e deverão alcançar 35% na atual. Em outras culturas, as taxas são ainda maiores: 43%, no caso do algodão; 48%, no arroz; e 80%, no feijão. Os produtores fogem dos royalties alegando o aperto financeiro por diversos motivos: recentes frustrações das colheitas na fronteira agrícola nordestina, queda das cotações de commodities em relação às da década passada e escassez de crédito causada pela crise da economia.

O desenvolvimento de novos grãos ajudou a elevar a produtividade do campo. Num mesmo hectare de terra, os produtores hoje colhem 300% mais arroz, 200% mais milho e 155% mais soja do que na década de 1970, segundo dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). “Experimentos com diversas espécies mostraram que a tecnologia de melhoria genética convencional foi responsável por metade do aumento da produtividade alcançada nas últimas décadas”, afirma o professor Cláudio Lopes de Souza Júnior, do departamento de genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo.

Vale ressaltar que parte dos produtores que não pagam royalties está de acordo com o que rege a legislação brasileira. Segundo uma lei de 1997, os agricultores só precisam pagar aos pesquisadores na primeira vez que compram as sementes – não são obrigados a fazer o mesmo quando guardam os grãos para replantio na próxima safra. Mas há muitos produtores armazenando mais grãos do que o determinado por lei – que é o volume suficiente para o consumo próprio – e vendendo no mercado ilegal. A fiscalização é precária. O Ministério da Agricultura tem 100 fiscais para monitorar 61 milhões de hectares plantados no País. “O direito de guardar a semente abre a porta para um jeitinho brasileiro que prejudica todo o setor agrícola do país”, diz Anderson Galvão, sócio da Céleres.

Vem mudança por aí

A discussão sobre o pagamento de royalties pelas sementes ficou mais acalorada neste ano porque um projeto para mudar a lei de 1997 deverá ser votado na Câmara dos Deputados até o fim de abril. Os questionamentos sobre essa legislação ocorrem desde que ela foi publicada. Houve três tentativas de atualização pelo Ministério da Agricultura, cujos próprios técnicos acreditam que a norma tenha de ser aprimorada.

O último projeto, que levou cinco anos para ficar pronto, em 2011, foi engavetado pela ex-presidente Dilma Rousseff. Ele previa que os produtores que guardassem sementes seriam obrigados a pagar os royalties, conforme um preço de mercado, com exceção dos agricultores de menor renda.

A nova proposta em discussão traz uma mudança: as condições para o pagamento serão estabelecidas por grupos formados pelas partes interessadas, entre elas os produtores rurais, as empresas de pesquisa e os agricultores certificados que têm o trabalho de multiplicar as sementes. Cada cultura pode ter um grupo. “A ideia é criar um entendimento da própria cadeia sobre quem paga, quanto paga e para quem vão os royalties”, diz o relator da proposta, deputado Nilson Leitão, do PSDB-MT. E é justamente nesse ponto que está semeada a discórdia.

Consolidação

Os produtores estão preocupados com o aumento do preço das sementes. A Organização das Cooperativas Brasileiras, que representa mais de 1 milhão de agricultores, diz que o projeto vai onerar toda a cadeia produtiva sem garantir que os recursos irão para a pesquisa. O preço das sementes subiu 32% nos últimos quatro anos, ante um avanço de 29% da inflação oficial no período. Outro receio é com a consolidação das empresas do mercado de sementes, um processo que começou a se acelerar globalmente em 2015.

As sementes transgênicas estão fora da discussão porque são protegidas pela lei de propriedade industrial, que permite cobrar royalties de grãos armazenados. Esse mercado tem seus embates próprios.

As vendas da semente rendem R$ 2,6 bilhões em royalties ao ano para a empresa e seus parceiros. Segundo a associação de produtores, a patente está em desacordo com a lei porque falta clareza sobre a inovação que ela traz. A Monsanto diz que a semente foi patenteada em outros países e que vai apresentar a contestação oportunamente.