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Conheça os estrangeiros ou brasileiros criados no exterior que vão defender o Brasil nos Jogos

201606031558441017.jpgEla é chinesa e foi adotada pelo Brasil. Ele é brasileiro e ganhou uma família na França. Há 12 anos, Gui Lin, hoje com 23, desembarcou em São Paulo para um intercâmbio esportivo, e não voltou mais para Nanning. Filha única, deixou os pais malucos quando resolveu disputar a Olimpíada pelo Brasil, pedindo naturalização. Ficou inquieta ao assistir pela telinha à abertura dos Jogos de Pequim-2008. Queria estar lá, e correu atrás do sonho na nova pátria.

Ghislain Perrier, de 29 anos, fez caminho inverso: nunca conheceu os pais biológicos e, com 1 ano, deixou Fortaleza rumo a Paris, após adoção internacional. O casal francês Jean-Michel e Françoise nunca escondeu sua origem nem o nome de batismo, Gabriel, que, aliás, consta em seus documentos, seguido a Ghislain. Apesar de ter ido a Fortaleza algumas vezes e nunca ter buscado pelos antepassados, ele diz que pretende viver na capital do Ceará, à beira-mar, quando “estiver velhinho”.

Ambos não teriam chance de ir à Olimpíada pela seleção chinesa de tênis de mesa nem pela francesa de esgrima. Apostaram suas fichas no Brasil. Ela foi a Londres-2012 e volta no Rio-2016. Ele estreia na competição e no Time Brasil.

Precisava me redescobrir quando deixei a seleção francesa. Representar o Brasil nos Jogos será meu retorno pra casa

? Acho que sou metade chinesa e metade brasileira. Passei mais tempo da minha vida no Brasil do que na China ? justifica a mesatenista, que desde 2015 treina na Áustria, onde defende o Linz, um dos maiores clubes europeus.

Quando chegou a São Paulo, morou na casa do treinador da seleção à época. Mais tarde, num pensionato. Hugo Hoyama, atleta por mais de 35 anos e seu atual técnico, comenta que Lin elevou o nível dos treinos femininos e que com ela, o Brasil foi prata no Pan-amaricano de Toronto-2015.

? Não tive medo, mesmo tão pequena. Para mim, era tudo novidade. Tive sorte de só encontrar gente legal ? fala Lin que, questionada sobre o que sente mais falta, agora, longe da China e do Brasil, respondeu: ? Dos amigos, churrasco, feijoada e da música sertaneja.

AMOR À TERRA

Após seis anos na seleção da França, Ghislain não se reconhecia mais na equipe. O estopim, uma briga com o técnico, o trouxe de volta para o Brasil. Reclama quando lhe perguntam sobre naturalização.

? Claro, sou cearense! ? frisa o esgrimista. ? Precisava me redescobrir quando deixei a seleção francesa. Representar o Brasil nos Jogos será meu retorno pra casa, tornou-se uma razão de ser.

ghislainperrier.jpgGhis, como é chamado, diz que os pais franceses e a irmã, de 24 anos, que também foi adotada no Brasil quatro anos depois, são sua única família. Ele não quer conhecer os pais biológicos mas esclarece que essa história não lhe ?impede de amar o Brasil”.

? Considero que já tive minha chance na vida, que foi encontrar meus únicos pais. Todo o resto é bônus. Sem eles, não seria quem sou. E eles estão orgulhosos de mim nessa meta de buscar uma medalha pelo Brasil. Gostaria que os brasileiros sentissem o mesmo ? pede o francês, que pensa em morar em Fortaleza quando estiver velhinho. ? Sou fã do país, desde a música, como dos Tribalistas e Seu Jorge, à comida. Se eu pudesse, abriria uma churrascaria rodízio em Paris.

SELEÇÃO INTERNACIONAL DE POLO AQUÁTICO

A delegação do Brasil vai contar com outros atletas com dupla nacionalidade ou naturalizados que aportaram por aqui depois de velhos. Não há ainda um número fechado.

Mas já se sabe que, no polo aquático, a seleção contará com o sérvio Soro Slobodan (dois bronzes olímpicos com seu país), com o croata Josip Vrlic (nunca defendeu a Croácia) e com o cubano Ivez Gonzalez, que mora no Brasil há nove anos e é casado com uma brasileira.

Na contramão, chega ainda Ádria Delgado, natural de São Paulo que foi para a Espanha, onde cresceu e aprendeu a modalidade, e Felipe Perrone, carioca que defendeu a seleção espanhola por uma década (pátria da avó). Suas nacionalidades esportivas passaram a ser do Brasil após período de quarentena.

? Como julgar o Perrone? Foi para a Espanha para jogar, melhorar, crescer. Só depois surgiu a seleção. Ele não tinha esperança de jogar pelo Brasil à época ? compara Gonzalez, de 35 anos, que conheceu a esposa Lara em Cuba, quando ela foi estudar medicina.

O casório foi realizado em Cienfuegos e depois, em São Paulo. Gonzalez pretendia voltar à Espanha, onde jogou em 2009. Mas o coração lhe trouxe para cá. Não satisfeito, ainda arrastou o irmão Iosse, de 29 anos, que também joga polo e dá aulas no clube Pinheiros.

Seu processo de naturalização só foi iniciado quando o técnico croata Ratko Rudic, dono de quatro medalhas de ouro olímpicas, assumiu o comando da seleção brasileira de pólo aquático, há dois anos.

? Ele é ótimo e fiquei empolgado. Acho que o seu segredo é a repetição e o trabalho psicológico.

O goleiro Soro, eleito pela Federação Internacional de Esportes Aquáticos (Fina), o melhor da posição na Copa do Mundo de 2010 e na Liga Mundial de 2011, conta que chegou no Brasil em 2013 para atuar pelo Fluminense. E que só depois pensou em naturalização. Ele estava aposentado da seleção sérvia há dois anos.

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? A ideia foi do Felipe Perrone que também queria jogar pelo Brasil ? explicou o goleiro, em bom português, que no mês passado foi liberado pela Fina para atuar pelo Brasil e cuja estreia será na Liga Mundial, entre 21 e 26 de junho, na China. ? Joguei por três anos em clubes na Rússia, dois na Espanha, um ano em Montenegro. E agora, sou brasileiro, com passaporte, e vou jogar a Olimpíada na minha casa. Nunca defendi a seleção sérvia em casa.

A REGRA É CLARA

Marcos Vinícius Freire, diretor executivo do Comitê Olímpico do Brasil (COB) explica que “é natural” as seleções contarem com estrangeiros em seus elencos. E que essa dinâmica é retrato do mundo atual. Soro e Vrilic conseguiram a naturalização ?por prestarem serviços relevantes ao Brasil?, segundo dispositivo na Lei 6.815/80, que define a situação jurídica do estrangeiro no país.

? O esporte é profissional também. E as pessoas trabalham, se mudam para locais onde lhe interessam, refazem suas vidas. Temos brasileiros, inclusive, treinando e morando em outros países ? fala o executivo, que condena apenas os exageros, como se viu no Mundial de handebol, quando a seleção do Catar abusou de gringos em seu elenco. ? Garanto que ninguém veio comprado. Desde 1984, o polo do Brasil não vai aos Jogos Olímpicos. Esse é um projeto de extrema relevância e auxiliamos nos processos do polo.

Essa ?ajuda? do COB não chegou ao lutador armênio Eduard Soghomonyan, de 26 anos. Ele conta que, apesar de morar no país há quatro anos (tempo mínimo exigido por lei) e ter disputado torneios nacionais, seu processo de naturalização foi emperrado. Foi concluído, apenas, na última semana, após mais de um ano. Segundo o Ministério da Justiça, ele agora irá receber um certificado de naturalização das mãos de um juiz federal e pronto!

Eduard, 11º colocado do ranking mundial na categoria até 130 kg da luta greco-romana, já estava impaciente.

– Poxa, sou brasileiro há quatro anos! – pondera o lutador, que veio para cá a convite de um amigo, também armênio.

Ricardo Mikaelian e Eduard se conheceram em 2011, quando o brasileiro viajou para a Armênia para a disputa do futebol nos Jogos Armênios, uma espécie de mini-Olimpíada com descendentes de armênios espalhados pelo mundo. O lutador era chefe da delegação brasileira. Ambos criaram um forte laço de amizade.

– Quando o convidei para viver no Brasil não fiquei pensando em quanto tempo ficaria na minha casa. Por isso, não achei exagero ele se instalar de vez – diz Ricardo, que mora em São Paulo e toca fábricas de acessórios femininos. – Quero mesmo é vê-lo na Olimpíada pelo Brasil.

Eduard, no entanto, ainda terá mais uma batalha. É que ele ainda não está garantido na luta greco-romana: o brasileiro Antoine Jaoude foi quem conquistou a vaga para o país. Doente, Eduard não pode disputar uma seletiva olímpica e Jaoude, que luta em outra modalidade, na categoria 125kg estilo livre, ?quebrou o galho?. Assim, a Confederação Brasileira de Lutas Associadas sente-se em dívida com Jaoude e por isso pode fazer uma seletiva entre os dois. Ou torcer para ganhar um convite no estilo livre da federação internacional e dar a Jaoude. A ver as cenas dos próximos capítulos.