A compreensão a respeito da realidade, a partir do senso comum, tem seu início na relação familiar, de modo a contribuir significativamente na construção do senso moral e ético do indivíduo. As construções discursivas que perpassam culturas, via de regra, são introduzidas pelos cuidadores dos indivíduos em construção, podendo ser negativas ou positivas no desenvolvimento social e crítico das crianças e adolescentes. E é no ambiente doméstico que comportamentos nocivos podem ser estabelecidos a partir da compreensão errônea de brincadeira.
Por isso, a atuação dos pais ou responsáveis no desenvolvimento da personalidade da criança é imprescindível. Não se pode deixar o exercício da paternidade/maternidade ao alvitre do achismo, pois a falta de informação ou a atitude do senso comum pode garantir portas-abertas ao abuso infantil. Beijos sem maldade e brincadeiras sem limites podem tornar possível a ação de um abusador, que, segundo as pesquisas, são geralmente pessoas próximas, a quem se atribui o cuidado e a confiança.
Ademais, a concepção sobre si mesmo e sobre os demais que é transmitida aos filhos de forma distorcida reforça discursos que atacam minorias e podem violar a dignidade da própria criança, bem como de terceiros. Não são apenas as palmadas que machucam; as palavras também detêm tal poder. Ao contrário dos argumentos sobre geração nutella ou mimimi, é necessária muita coragem para expor as feridas emocionais, que podem advir de traumas geracionais em busca da cura. Os números alarmantes de questões psicológicas entre os mais jovens expõem uma sociedade adoecida na exigência da vida perfeita e instagramável.
O cuidado deve ser consigo, mas também com os demais, na compreensão das diferenças na construção da identidade dos indivíduos. Em uma sociedade massificada, em que os padrões de beleza, discursos e comportamentos aproximam-se de equações matemática, ser um ponto fora da curva é alarmante. Lidar com o alter (o outro) é tão desafiador quanto o olhar para si, contudo, no mundo da opinião sobre tudo e todos, a observação é quase um comportamento remoto. Assim, as práticas que podem se enquadrar no conceito de bullying têm se intensificado, as quais dizem respeito à intimidação sistemática (ou seja, repetitiva) de grupo ou indivíduo, através de violência física ou psicológica, sem que haja motivação evidente.
Não, não é brincadeira e não forma o caráter de gente de bem. Agora é crime! É, pois, conduta ilícita e passível de punição penal, mesmo que praticada por meio digital (o conhecido cyberbullying), para além da reparação civil (isto é, indenização à vítima e familiares). A responsabilidade criminal é do praticante do ato, ainda que menor (ao praticar ato infracional), enquanto que a indenização poderá ser paga pelos pais ou responsáveis legais, bem como pela instituição de ensino, pública ou privada.
Tal responsabilidade decorre da autoridade parental, de modo que mesmo o genitor que não detenha guarda do menor pode vir a ser chamado a arcar com a indenização, sem que possa compensar no pagamento periódico da pensão alimentícia. São as duras penas da maternidade/paternidade, porém o respeito ao terceiro é aprendido no seio familiar, no respeito entre os membros da família. Ser pai ou mãe é eterno rasgar-se e remendar-se; educar é olhar muito mais pra si como exemplo do que cortar as asas do passarinho que um dia alçará voo.
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas