Opinião

Entre o futuro e o passado

A renovação dos ciclos é imprescindível para que a essência humana suporte os fardos do cotidiano. A repetição mecânica do trabalho que exaure corpo e alma é possibilitada pela transcendentalidade da simbologia do novo, reacendendo a esperança da felicidade. Nesse momento, a retrospectiva se mistura com os desejos de dias melhores, visto que o passado tem o condão de trazer ensinamentos para o futuro. Não se pode dar um passo à frente sem considerar o caminho até então trilhado.

Assim, no que diz respeito aos avanços do Direito de Família, o ano que passa teve importante destaque em relação à proteção em face da violência doméstica, não só para as mulheres, mas também para crianças e adolescentes. Por esse motivo, houve modificação da legislação para repensar o instituto da guarda ou convivência familiar, ampliando a fixação da guarda unilateral, a fim de proteger os menores de situações de risco (termo que remanesce questionado, dada sua amplitude de interpretações).

Também foi ano de encerrar os questionamentos sobre a separação judicial, que remonta ao divórcio complexo e oneroso, em uma intenção de protrair no tempo o casamento o máximo possível, visto que mantinha o vínculo entre os cônjuges até a decretação do divórcio. A separação judicial passa, portanto, a ser um instituto morto, sem aplicabilidade, visto que o encerramento do vínculo conjugal pelo divórcio é considerado direito potestativo, isto é, contra o qual não cabe discussão. Aliás, existem andamentos para a garantia do divórcio impositivo ou unilateral, a ser realizado em cartório.

No olhar para o futuro, estão as discussões ainda não encerradas sobre a família multiespécie, pois enquanto busca-se a regulamentação da “família de pet”, já há entendimento de que não é possível aplicar, analogicamente, as questões de pensão alimentícia das varas de família aos pets. Também não houve decisão sobre o regime de bens impositivo aos maiores de 70 anos. Discute-se se é contrária à dignidade e à proteção do idoso a obrigatoriedade do regime de separação de bens, haja vista que a justificativa dessa limitação está no famoso “golpe do baú”, em uma época em que os “velhos da lancha” tornam-se comuns e que se dá ensejo à autonomia privada da vontade.

Ademais, vislumbra-se a regulamentação sobre a administração dos bens dos menores pelos pais, especialmente quando se tratam de menores que detenham renda própria por trabalho cultural, artístico ou esportivo, tendo em vista a ascensão do tema no último ano, relacionada à violência patrimonial contra os filhos. Com relação aos filhos, ainda o caminho a percorrer é longo, mas aponta para a definição da isonomia nos encargos parentais, quando a paternidade deixaria de ser facultativa e os filhos tornar-se-iam verdadeiras responsabilidades para os pais, muito além do simples pagamento de pensão alimentícia. Além disso, a isonomia não deve desconsiderar a “economia do cuidado”, ou seja, o dispêndio de tempo e disponibilidade no cuidado com os filhos.

A trajetória jurídica é formada por avanços e retrocessos, com uma considerável visão dialética sobre os indivíduos e suas relações íntimas de afeto. Não é tema singelo, pois encontra inúmeras complexidades, tanto na subjetividade dos sujeitos envolvidos quanto nas alterações das dinâmicas sociais.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas