Opinião

O perdão ao ser indigno

A dignidade foi um termo que acolheu inúmeros significados e interpretações ao longo do tempo, enquanto medida de valor do indivíduo perante a sociedade. Além do seu aspecto público, reflete na esfera privada de relacionamento, visto que os laços familiares se definem por inúmeros critérios, apesar do afeto. Nesse sentido, ser da mesma família não significa que haverá amor, por vezes a indiferença ou mesmo o ódio.

Tendo em vista que a família nasce enquanto forma de consolidação patrimonial, é imperioso que existam limites legais e éticos para os efeitos da transmissão patrimonial. A lei se preocupa, portanto, em evitar que aquele considerado indigno tenha direito à percepção de herança, a partir daqueles que têm o direito de recebê-la, chamados de herdeiros necessários (ascendentes, descendentes, cônjuge ou companheiro). Mas, o que pode ser considerado indignidade?

O Direito, no âmbito privado, não deve estabelecer padrões rígidos de conduta, mas deve garantir a proteção da autonomia e dos direitos dos membros da família. Assim, a indignidade, relaciona-se a condutas graves que atingem direitos inegociáveis dos indivíduos e que são eticamente reprováveis.  A lei define como indigno aquele que, em relação ao autor da herança (o falecido), comete ofensa física, tem relação de autoria com homicídio doloso, injúria grave ou outro crime contra a honra, tem relações ilícitas com os afins, obsta, por violência ou fraude, de realizar livre disposição patrimonial ou que desampara ascendente com alienação mental.

Existem discussões a respeito da taxatividade dessas situações, isto é, se só é possível considerar indigno o que está definido expressa e literalmente ou se cabe interpretação estendida que se coadunaria com a intenção da lei, permitindo, pois, interpretações subjetivas. Assim, seria possível aplicar ao autor de violência doméstica ou ao induzimento ao suicídio, desde que devidamente comprovado em ação criminal.

Importante destacar que não se deve confundir a deserdação com a indignidade, embora ambos os institutos tenham semelhanças. No pretérito, havia o poder da deserdação por parte do chefe de família mais ampliado, no entanto, na atualidade, o autor da herança pode indicar pessoas que perdem o direito à herança em situações previstas em lei, muito similares às hipóteses de indignidade, com a diferença de haver manifestação de vontade expressa por meio de testamento quanto à deserdação. Logo, somente o testador pode deserdar. Na indignidade, a situação pode ser descoberta após o falecimento do autor da herança, sem que houvesse sua expressão de vontade nesse sentido, pois se enquadra em hipótese legal. Cabe a um dos demais herdeiros promover ação específica para declarar a indignidade e, consequentemente, limitar o acesso aos bens.

São punições cíveis sérias por afronta à dignidade e à ética, que não merecem perdão. Aliás, gramaticalmente, o indigno é aquele que não merece perdão, do ponto de vista jurídico. Ao aspecto moral, porém, cabe à profundidade das relações familiares, em intrincadas teias de relacionamento e de afeto, para permitir o gesto nobre do perdão ou não.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas