Opinião

Convivência em rota de colisão

O imaginário popular está recheado de vilãs quando se trata da madrasta, quase como sinônimo de crueldade, ao passo que aos padrastos o assunto é de quase indiferença, tendo como consenso que pode exercer o papel de pai na criação dos enteados e ainda ser intitulado de “pai”. Isso porque é muito comum os padrastos atuarem em famílias em que o pai é realmente ausente, substituindo, em certa medida, as obrigações que eram do genitor, ao passo que em raros casos a mãe está ausente na vida dos filhos.

Importante frisar que os padrastos ou madrastas não detém o chamado “poder familiar”, de modo que, em regra não têm direitos, obrigações e sequer autoridade sobre os enteados. O que não quer dizer que estes não lhes devam respeito e não tenham direito de convivência, em razão do melhor interesse da criança em um convívio familiar saudável.

Assim, por mais desconfortável que seja, não é possível o impedimento de contato com a madrasta ou o padrasto, exceto se comprovada ameaça à integridade física e psicológica ao menor, caso em que poderá ser afastado o direito de convivência ou mesmo o estabelecimento de visitação assistida. Inclusive, no que diz respeito à amamentação, é direito exclusivo da mãe, não podendo ter interferência da madrasta e nem mesmo do pai, de modo que a alimentação cruzada (quando a madrasta amamenta o enteado) não é recomendada pela Sociedade Brasileira de Pediatria e é passível de socorro ao Judiciário.

Contudo, é preciso prudência nas relações das famílias reconstituídas, sendo que a referência sempre deve ser o bem-estar da criança ou do adolescente. Afinal, os padrastos e madrastas, legalmente, tornam-se parentes dos enteados. Dessa forma, o afastamento depende de comprovação de lesão ou ameaça de lesão aos menores, sendo que acusações infundadas podem ensejar em punições por alienação parental.

Caso haja violência contra os menores nas relações domésticas (envolvendo genitores e demais parentes, inclusive os afins – padrastos e madrastas), independentemente do gênero da vítima, poderá ser solicitada medida protetiva, conforme a “Lei Henry Borel”, com afastamento do agressor, proibição de aproximação ou de contato com a vítima, comparecimento em programas de recuperação e reeducação, acompanhamento psicossocial, entre outros.

O importante é não buscar fazer justiça com as próprias mãos, impedindo o contato com qualquer parente, sem uma decisão judicial, sob pena de desproteger os filhos ao invés de proteger. Ainda que a madrasta ou o padrasto sejam alcóolatras, tenham sentença penal condenatória, por estupro de vulnerável, negligência ou crime hediondo, não é possível a proibição do direito de convivência sem a determinação de um juiz. Para não haver rota de colisão entre os interesses divergentes dos adultos, o interesse dos menores deve sempre preponderar.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas