A evolução dos relacionamentos no âmbito do direito de família anda a “olhos vistos” nas últimas décadas. Há poucos anos, ganhou notoriedade o relacionamento conhecido como “sugar”, com duas figuras típicas: os “sugar daddys” ou “mommys”, pessoas mais velhas e com independência financeira, e os “sugar babies”, pessoas de boa aparência que desejam desfrutar um estilo de vida mais elevado.
É uma relação com grande destaque financeiro, de modo que ambas as partes, em vista da segurança jurídica, buscam a realização de contratos do relacionamento, haja vista a inexistência de lei que ampare tal situação. No contrato, podem estipular as retribuições financeiras à companhia, sem qualquer tipo de coação, visto que não há entre eles assistência mútua. A relação pecuniária, portanto, deve ser estabelecida às claras entre as partes.
A formalização do contrato está relacionada à tentativa de impedimento de configuração de outras situações jurídicas com efeitos diversos, como a união estável ou mesmo a legalização da prostituição. Em realidade, embora o aspecto econômico tenha grande importância nessa relação, existe questões de afetividade que não podem ser menosprezadas. Assim, a relação não é comercial ou de trabalho, também não é o pagamento direto por serviços sexuais. Aliás, a companhia entre as partes pode não envolver questões sexuais e isso não descaracteriza a relação “sugar”. Dessa forma, não se pode, de forma moralista, encarar tal relação como prostituição.
A princípio, também não configuraria uma relação estável, pois não estão presentes os principais requisitos, como a relação pública, contínua e duradoura, muito menos o interesse na constituição de família, até porque não existe obrigação de exclusividade. Porém, é importante ter em mente que a união estável se configura pela realidade fática, onde fica evidenciada a real vontade das partes. Assim, é possível, se comprovada a dependência financeira e a relação pública e contínua, a configuração de uma união estável, com todos os efeitos sucessórios dela decorrentes.
O relacionamento “sugar” não enseja efeitos sucessórios, nem de partilha de bens; já á união estável, sim. Discute-se, ainda, nos Tribunais, se poderia haver extensão dos efeitos previdenciários a “sugar baby”, tendo em vista o requisito do INSS estar relacionado à dependência financeira e, para alguns magistrados, haver uma divisão entre direito de família e previdenciário.
De qualquer forma, a monetarização das relações afetivas e sua contratualização enquanto o “novo normal” põe às claras o vazio existencial e a necessidade de autoafirmação sobre a juventude ou poder financeiro, para reconhecimento social ou para o atingimento de metas pessoais e profissionais. Embora haja aspectos de afetividade nessa forma de relacionamento, estão a passos largos do verdadeiro desvelamento do íntimo enquanto premissa do amor.
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas