Eu tenho um relógio na parede. Tem todas as características de um relógio comum. Ponteiros pretos e tic-tac característicos. Esse meu relógio é apenas um pouco estranho porque as horas passam mais devagar nele. Claro que eu já troquei as pilhas, pensei que ele tivesse algum defeito, mas não. Ele funciona perfeitamente bem.
Quando acho que estou atrasado, olho para ele e vejo que ainda estou com sobra de tempo. Acho isso muito simpático. Outras vezes quando ando ansioso e querendo que a hora chegue logo, ele mostra as horas no mesmo ritmo de sempre e quase posso vê-lo sorrindo disfarçado, de cara lavada. Então, já cheguei à conclusão que este comportamento dele é normal. Ele é assim. Tenho que aceitar.
Seus ponteiros avançam e se você olhar bem rápido não vai notar nada diferente, mas na verdade ele vai segurando o tempo entre um segundo e outro. Gota a gota. Imperceptível e discretamente.
Quando eu o comprei ele estava lá no meio de tantos outros relógios. Um tic-tac descompassado, cada um no seu trabalho cansativo de marcar o tempo. Ele estava lá e me chamou atenção porque era branco e preto. Não havia nenhuma cor ou figura ou desenho. Branco e preto como o tempo passando. Como os dias rodando em 24 horas que seguem mais 24 horas e assim sucessivamente. Levei-o para casa. Pendurei na parede e lá está ele, tic-tac tic-tac tic-tac.
Até me parece que em dias frios ele se encolhe também tentando acelerar um pouco o passo, mas não consegue. Nos dias de calor ele está mais tranquilo e se atira numa rede chacoalhando seus ponteiros como braços pra lá e pra cá.
Lembro que quando eu era criança eu imaginava que teria um relógio de cuco. Que na hora cheia a portinha se abriria e o passarinho no seu vôo de mola, bico aberto, “cuco” “cuco”. Eu nunca tive um relógio assim. Este que agora tenho e que descrevo não tem cuco, nem portinha, nem nada, ele tem apenas a certeza de sua hora. Ele é, mais do que qualquer outro, dono do tempo. Não acho que isso seja pouca coisa.
Muitas vezes olho para ele e penso em que horas ele começou a trabalhar? Que horas eram quando ele acabou de ser fabricado? Qual a primeira hora serviu de teste para seus ponteiros? Quem disse que aquela hora estava certa? Obviamente ele não sabe e nem tem como me dar essa resposta, muito embora seu jeito maroto de mostrar as horas, essa sua personalidade toda própria, entendem essas minhas dúvidas.
Ele tem ponteiro dos segundos. Aqueles ponteiros que vão de um segundo ao outro. Eu nunca gostei de relógios onde o ponteiro segue um fluxo contínuo. Sempre me deixou aflito e me pareceu errado. Como se o tempo já não passasse rápido demais, ainda aquele ponteiro dos segundos avançando sem trégua nem compasso, girando cada vez mais veloz (essa era minha impressão), como se desse risada da nossa cara. “Não temos um segundo a perder!”, ele diria se pudesse.
O meu não. Tem o ponteiro que vai aos pulos de um segundo para o outro. Sem pressa. Ainda assim arrasta os outros dois maiores. Ele tem um charme próprio, não é qualquer ponteiro de segundos que estaria num relógio assim. Indicando a próxima hora que está para chegar. Hora de trabalhar, hora de dormir, hora de almoçar. As horas também possuem seus nomes. São mais do que uma combinação dos números. Tem horas que gostamos, tem horas que não. Já repararam nisso? Isso são horas de se pensar nesse tipo de coisa?
Eu olho agora para o meu relógio e ele me diz que são 16:41. E vai seguindo, sem atropelar as minhas perguntas. Sem nem saber que estou escrevendo sobre ele mesmo. E se soubesse? Me diria uma hora errada? Gostaria de saber até que horas eu ficarei aqui escrevendo?
Me aproximo agora e o encaro, quase como que o desafiando, tento distraí-lo para que se confunda e perca o tempo certo. Apenas brincadeira, não quero que ele se perca pois que me perco também. Seres humanos, seguidores das horas. Tento escutar mais de perto e num sussurro que vem pontuado ele parece me dizer:
“Hora de parar com isso e seguir a vida, essa dona de todas as nossas horas.”
Carlos Eduardo dos Santos Martins – Anestesiologista – CRM/PR – 20965